quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap final

Depois da viagem sem surpresas, amém, chegamos a Phuket, a maior ilha da Tailândia. Pelo caminho para o hotel, descobri que é quase uma Grande Phuket, porque é um aglomerado de municípios e tem lá seu aspecto de cidade grande.

Escolhi a dedo o último hotel da viagem, porque depois da andação era hora descansar. E lá fomos nós pra riqueza, ah que delícia é ser paparicado, a começar com alguém pra carregar minha mala. Sim, parece frescura, ou exagero, mas depois de até embarcar em barco com mala na cabeça, quase abracei o moço que me disse “deixa que eu levo”.

E por falar em mala, a minha fiel, e antiga, companheira entrou em agonia pela terceira semana e se recusou a travar direito, então era hora de dar descanso a ela. Em Phuket ela deu seu último suspiro e por lá ficou. Quase chorei, mas a primeira missão na cidade foi ir ao shopping e encontrar uma nova parceira de aventuras.

O dia seguinte foi para conhecer (e se despedir) a praia. Minha surpresa foi me achar no Rio, praia urbana, cadeiras para alugar, ambulantes, juro que estava esperando o mate e o biscoito Globo já. Mar calmo, água morna, uma bela despedida, até o sol apareceu para fazer as honras.

Mas a gente não passa uma sem perrengue, lá pelas 2h da tarde o céu fechou e caiu água pra tudo que é lado. Lá fomos nós de toalha na cabeça andar uma quadra até o hotel. Lembra da riqueza? Chegamos igual pinto molhado nela, nada nem parecido com o glamour do hotel.

Nossa última noite decidimos ir na jantar na rua animada de Phuket. A Tailândia nunca para de surpreender. Fomos na Bangla Road, depois da Sukumvit em Bangkok achei que já tinha visto tudo, santa inocência. Khaosan Road que nada, a Bangla é muito mais animada. A começar pela quantidade de ofertas de “ping-pong show”, que demoramos bastante pra entender o que era, até perceber que eram mocinhas que jogavam coisas, muitas coisas, sem usar as mãos, ou os pés. A rua é gigante, com bares, boates e restaurantes, todos têm poles na frente e decoração peculiar. Quando eu vi o dos tigres joguei a toalha. O que você quiser com certeza a Bangla tem. 

Depois de descobrir outro italiano simpático pra jantar era hora de voltar pro hotel, fazer mala e aeroporto, dessa vez pra voltar pra casa. A última surpresinha foi o táxi van que se acendia todo em azul neon e com um câmbio que era um objeto fálico. 

Foram 20 dias cruzando um país, nove cidades, diferentes regiões, sempre tentando aprender o máximo de sua história, costumes, organização e filosofia. Obrigada Tailândia por me mostrar na prática o que é relativismo cultural, por tirar da teoria o que tanto li, por desconstruir meus preconceitos, por me ensinar sobre simplicidade. Você é absolutamente encantadora, levo excelentes lembranças e saudade. Khorb Khun Na Ka Thai. Até um dia.




Diário de Bordo Ásia - cap VIII


Depois do embarque na água e balangar numa lancha era hora de chegar na ilha mais famosa da Tailândia. Phi Phi foi o local que escolhi para passar meu aniversário. Uma bela escolha, a ilha combina a beleza de praias ainda selvagens e toda uma estrutura turística. Felicidade foi descobrir que o hotel ficava mesmo do lado do pier, melhor indicação da viagem.

A melhor comparação que encontrei é dizer que Phi Phi é Morro de São Paulo da Tailândia. Restaurantes, bares, lojas, muita gente e uma noite super animada. É a praia da badalação, onde as festas são malucas e varam madrugada a dentro. Em mais uma proximidade com a ilha brasileira, percebi que muitos dos estabelecimentos são de estrangeiros, não de tailandeses.

Por lá, trocamos a oferta “tuk-tuk, tuk-tuk” por “boat, boat, boat”, isso porque Phi Phi tem várias ilhas menores ao redor, como a famosa Maya Bay (a praia do filme A Praia), então o tempo todo te oferecem passeios de barco. Só precisa ter um pouco de coragem pra encarar os barqueiros com cara de “Piratas do Caribe”. Minha graça pela viagem foram as feiras e Phi Phi oferece um artesanato lindo, pena que mala tem limite de peso. 

  
A noite da ilha é realmente animada e começa tarde, no horário dos jovens. Um show de malabarismo com fogo na praia me provou que a falta de juízo do povo é sem limites. Teve corda bamba, fogos de artifícios ao redor do malabarista e muitas elevações, impressionante de assistir. As baladas são quase todas de música eletrônica, como não é bem minha praia encontramos um pub com uma banda ótima com um repertório de rock (e tudo mais que pedissem) fantástico. E foi com a versão tailandesa do Pharrel Wilians rock/pop que ouvi meus parabéns às 00h do dia 8.

Passar o aniversário viajando foi um dos melhores presentes que pude me dar. Claro que senti falta da minha mãe me acordando com parabéns. Dos abraços no trabalho, de pessoas importantes, das ligações e comemorações lotadas. Mas a experiência e aprendizado do outro lado do mundo compensaram a saudade e as ligações e mensagens também fizeram que muita gente mesmo longe parecesse muito perto. Ah e os recepcionistas do hotel me procurando pra dar parabéns foi pura fofisse também, assim são os tailandeses, fofos.

A praia em Phi Phi é bonita, mas não é incrível. Então depois de conhecer um casal brasileiro, sim a ilha também estava cheia de brazucas, decidimos sair em um passeio pelas ilhas de cima, aí começa o encantamento, um espetáculo natural. Mas como não podia faltar perrengue, a volta foi com chuva no mar, muita chuva, pra testar minha coragem, ou falta dela no caso. Quando o barqueiro perguntou “qual ilha querem ir agora?”, ouviu um sonoro “go home!”. Valeu Santa da Mamãe, chegamos de novo! Encharcados e congelando, mas sem acidentes.

E então decidimos ir ver o Papa, sim Maya Bay é o “Papa” da Tailândia, não da pra não ir. Leva 10 minutos de barco e todos os dias dezenas deles chegam por lá, ou seja esqueça a ilha deserta do filme, tá mais pra Rio no réveillon. Nossa tática foi ir no passeio que chega lá antes das 7h da manhã, foi ótimo, mas já teve o malabarismo para sumir com o povo nas nossas fotos. Mas acredite, toda a missão vale a pena, a beleza do lugar é de tirar o fôlego.  

A volta já era hora de fechar a mala, se despedir e embarcar para o último destino. Dessa vez foi sem surpresa, pier, barco grande e até descobrimos shuttle pro hotel. Phi Phi foi melhor que a encomenda, pode ter milhões de turistas, ser lotada e meio maluca, mas no meio da confusão é puro charme. Koh Phi Phi obrigada pelo meu aniversário, fui feliz.


domingo, 12 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap VII

Nosso lema por aqui é a lá João Grilo, do Suassuna, “fica rico, fica pobre”. Porque vivemos entre perrengue e riqueza o tempo todo. Aeroporto de novo e era hora de enfrentar o maior dos voos internos, quase duas horas até Krabi e de lá um barco até Railay Beach. 

Agendamos o transfer do hotel e aguardávamos ansiosamente o pé na areia depois de uma semana entre templos, muito calor e muita confusão. Seria lindo e tranquilo, porém junto com a gente no hotel tinha um grupo de 58 brasileiros, sim caímos em uma caravana brazuca sem saber. Nada contra os conterrâneos, mas o hotel obviamente não estava pronto pra transportar tanta gente ao mesmo tempo e foi um caos chegar. Filas e filas e filas.

Descobrimos pelo meio do caminho que era um casal mineira com casamento Thai marcado. Por isso tanta gente reunida. A noiva, viajadora, decidiu proporcionar a experiência que mais gosta na vida para as pessoas que ama, então montou todo um roteiro para o grupo que terminaria com o casamento em Phi Phi. Resumo da ópera, o hotel ficou verde e amarelo a-ha, u-hul! 

Avião, van, carrinho de golfe, caminhada no sol racha coco, barquinho “não conta lá em casa” e rebocador na água, chegamos. Lá se foi meu estômago de novo, terminamos de testar todos os meios de transporte tailandeses. Railay é um daqueles lugares que se chega e esfrega o olho pra ter certeza que é de verdade, que não é miragem. 

A beleza da pequenina praia entre as pedras é indescritível e definitivamente um dos mais belos por do sol que já vi. Um lado da ilha é meio lamacenta, imprópria para banho, mas Railay West é bastante perto da minha ideia de paraíso. 

A ilha é pequena, uma charmosa e minúscula vila e a rua dos bares com shows de fogos e apresentações de Muai Thai. Tinha tanto brasileiro que o bartender depois de perguntar da onde a gente era soltou “acho que não tem mais ninguém no Brasil, tá todo mundo aqui”

São muitos barcos em trânsito o dia todo, uma imensidão de turistas indo e vindo, mas definitivamente vale enfrentar o povão. Claro que teve rolo na saída, lá vamos nós com a caravana de novo pra enlouquecer as miniaturas tailandesas. Desculpa estômago, foi lancha dessa vez. Mala na cabeça e embarque na água vamo nessa. Próximo destino: Phi Phi Island. 


Diário de Bordo Ásia - cap VI

E finalmente chegamos a Chiang Mai, principal cidade do norte da Tailândia, um expoente comercial e cultural. O roteiro inteiro dependeu desse lugar e dessa data, o objetivo era assistir ao famoso festival das Lanternas, sim aquele do filme Enrolados.

Vencida a rodoviária “Não conta lá em casa”, horas de engarrafamento e entender o Cab alguma coisa de novo, ainda meio zonza de Dramin,  chegamos no hotel. A cidade já decorada com lanternas coloridas encantou de primeira. Como meu estômago hostil só me deixa viajar de barriga vazia sempre chego morta de fome. A grata surpresa foi descobrir um restaurante com as típicas receitas da mama. Um italiano simpático cheio de sotaque atendia, cozinhava e servia. 

E veio o dia de conhecer os elefantes. O único passeio que reservei do Brasil. Pathara Elephant Farm, uma fazenda de resgate e preservação dos mamíferos. Como elefante na Tailândia virou uma atração turística, as denúncias de maus tratos são frequentes, tivemos a preocupação de procurar um local que não explorasse irresponsavelmente os bichos. Vimos um elefantinho com um dia de nascido, ainda assustado se protegendo embaixo da mãe, que ferozmente ameaçava quem tentava mexer em sua cria. Observamos o pessoal da fazendo ajudando o bichinho a mamar na mãe sem a interferência do irmão ciumento. Além de outros bebês, fêmeas e machos, elefantes de várias idades. 

O passeio era ser cuidadora de elefante por um dia. Nos ensinaram a fazer amizade (dando comida, claro!) e os comandos em Thai para nos comunicarmos com eles, se liga na pronúncia e eu que não decoro nada. Depois foi hora do banho (e de levar banho). E por fim, o passeio em cima deles, um pouco assustador, mas tamo aqui vivas. “Once lifetime experience” sem dúvida! Didi Seanpooh!

Chiang Mai foi fundada em 1296, capital do antigo reino Lanna, uma organização completamente diferente da confusa Bangkok. Tem mais de 30 belíssimos templos, tudo é muito ligada à religião, 95% da população tailandesa é budista, prova disso são os tradicionais festivais Yee Peng e Loi Khatong que movimentam toda a cidade.

A saga de descobrir sobre o festival foi longa. A coisa mais difícil da Tailândia é se entender com as informações, aqui não tem tudo mastigado para turistas e não é simples achar boas fontes na internet. Com custo entendi que assistiríamos na mesma data dois diferentes festivais, ambos de natureza budistas, porém com manifestações e origens diferentes.

Minha felicidade (de dar pulinhos) foi achar placas em inglês na praça contando a história dos festivais. Yee Peng é o famoso festival das lanternas, acontece na lua cheia do segundo mês do calendário Lanna, acreditam que a luz acesa afaste os males. O segundo Loi Kathong, ocorre na 11° lua cheia do calendário Thai, é uma data em que são colocados Kathongs no rio, uma espécie de oferenda, em que também afasta energia ruim e traz prosperidade. Ou seja é um festival de luzes na água e no céu.

Decidimos fechar um passeio no hotel. Bem turistão, mas era o mais seguro para ver o festival. Foi uma grata surpresa, nossa hostes Bee, uma tailandesa de inglês impecável, respondeu todas as minhas quinhentas perguntas sobre o festival, fofíssima. Além de termos tido a imensa felicidade de fazer khatongs com uma senhora tailandesa extremamente habilidosa com folhas de bananeiras e muito gentil.

Assistimos a um show de dança tradicional, comemos a comida típica e lançamos nossos Khatongs iluminados na água. E veio o esperado momento, ascender as lanternas. Quando sobem é uma sensação dessas difíceis de encontrar palavras para explicar, é como se fosse uma só energia, uma reunião de bons pensamentos, “nada te perturbe, nada te aflija”. O céu fica incrivelmente lindo iluminado, é uma sensação de paz, de felicidade. A emoção é de fazer chorar os mais incrédulos.

A graça de estar em Chiang Mai nessa data é que toda a cidade vive os festivais. Em Wat Chiang Mun um grupo de senhores simpáticos servia comida para quem quisesse. Ganhamos velinhas para acender pela rua e completarmos a corrente de luz em volta do rio. Assistimos ainda a um desfile imenso que contava a historia do Loi Khatong. 


Chiang Mai foi mágica. A filosofia budista Theravada, a mais tradicional delas, é quase palpável pela cidade. Saio com a sensação de recomeço, de estar pronta para o que virá, de ter deixado tudo de mal nas águas do rio e céu acima. Foi fantástico poder participar de cerimônias. Khorb Khun Na Ka Chiang Mai! 


domingo, 5 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap V

Se a Ayutthaya foi meu presente, Chiang Rai foi uma grata surpresa. Uma cidadezinha no norte da Tailândia, com carinha de interior. A gente desceu no aeroporto com plantas entre as esteiras de bagagem sem acreditar muito que ia dar certo.

Esquece o Uber, por aqui é o Cab alguma coisa, mas funcionou, amém, e ponto pra Diana. Hostel gracinha, inglês super compreensível, amo hostel nessas horas. Meu sono segue me matando, quando acostumar já vai ser hora de ir embora. Foi dia de lavar roupa e tentar dormir, tava no orçado esse.

A graça de lugar pequeno é achar no Trip Advisor um restaurante do outro lado da cidade e poder ir andando. Que Deus abençoe o americano que resolveu trazer comida australiana pra Chiang Rai, sim achamos um Outback aqui e delicioso. Não gosto de comida tailandesa, me julguem.

Tudo na Tailândia termina em feira e achamos outro night marketing gracinha pra gastar dinheiros. No meio, um pocket show pra fazer propaganda do show cabaret da cidade. Moça, vamo melhorar isso aí que não tá bom não. 

Graça mesmo foi o segundo dia, descobri que é possível se passar por “everywhere” em algumas horas. Chega a van do passeio, companhias de todos os países em 9 pessoas e vamo nessa. 

Primeiro ponto foi o Templo Branco, um espetáculo alvo de construção moderna, uma tentativa de revitalizar a história da cidade. Em seguida o Templo Azul também mostrou seus traços contemporâneos. Para coroar a relação com as artes, a Black House se apresentou em escuridão e estética duvidosa, mas sem dúvida interessante.

Chiang Rai sofreu por anos com o tráfico do ópio e em uma sequência de conflitos conseguiu mudar sua história. O museu do ópio revela um passado recente de um entorpecente poderoso e muito valioso.
 
Claro que pra mim o ponto alto seria conhecer a Long Neck Tribe. Daquelas organizações sociais tão distantes da sua cultura que é preciso se esforçar pra deixar os preconceitos do lado de fora e ter um olhar de etnógrafo. História encantadora, de uma tribo que encontrou uma forma de proteger suas mulheres, afinal são elas que promovem a vida.

Ainda teve um encontro com macacos malucos, uma escadaria sem fim e um Buda numa caverna com cerâmica. Por fim, o Gold Triangle, de um lado Tailândia, do outro Myanmar e o Laos, sim, três países em um olhar só. Being everywhere foi uma delícia, cheguei meio morta, mas obrigada Chiang Rai, um prato nobre de cultura você. 


Mas claro que ia ter perrengue, porque na Tailândia é assim, tem sempre uma surpresa. Para a próxima cidade o meio era ônibus, chegar na rodoviária de Chiang Rai foi me sentir no “Não conta lá em casa”. Asfalto? Nem pensar. Um quadradão de brita (ou que sobrou dela), uma poeira sem fim, lotado de gente se apertando embaixo de uma lona azul, um tailandês brigando com quem parava no lugar errado e uma barraquinha com uma comida bem fedida. Mas fecha mala que tem cidade nova! 

Diário de Bordo Ásia - cap IV

Ayutthaya talvez tenha sido o meu presente da viagem. A antiga capital do reino de Sião é hoje tombada pela Unesco como patrimônio da humanidade e preserva uma história de 1300, bem aquela que só me chega aos pedaços.

A cidade fica a 80km de Bangkok, fomos de taxi e a surpresa boa foi descobrir que pelo preço que pagamos nosso motorista nos levaria a todos os templos que quiséssemos. Ou seja, foi dia de motorista particular.

Os templos em Ayutthaya seguem uma outra organização, são sítios maiores, espaçosos, contam histórias pelas ruínas de suas paredes e muros. A cidade foi uma das maiores do mundo e um imenso centro comercial entre os séculos XIV e XVI. Hoje mostra de tudo que sobrou depois dos ataques de 1700. Uma guerra deixa marcas profundas, por lá os budas decapitados apresentam o tamanho da ferida. 

O Wat Phra Chao Phya-thai foi amor à primeira vista, mostra muito do que foi a cidade, alem de transmitir uma calma que contagia. O Wat Mahathat reserva talvez o Buda mais famoso de todos, o incrustado na árvore, é absolutamente impressionante como a cabeça da estátua foi preservada pelas raizes. No Wat Phra Si Sanphet a sensação foi de estar em um enorme sitio arqueológico. 

A cidade ainda guarda resquícios de sua origem comercial com um charmoso mercado flutuante. Sim, você entra num barquinho e faz compras de dentro dele.

Até o engarrafamento pra chegar lá e meus constantes enjoos de estrada valeram a pena. Ayutthaya com certeza foi meu presente direto do século XIV. Obrigada Unesco, te devo essa. 




quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap III

Nos tempos de faculdade, a gente costumava brincar que o mais longe que iríamos na historiografia era na Europa oriental, com um pouco de esforço umas matérias perdidas de China e Japão. E foi isso mesmo, estudamos muito pouco sobre a história africana e asiática. Chegar em Bangkok pra mim foi ter a certeza que a história é muito mais complexa do que os manuais nos contam. 

Minha cabeça de historiadora funciona em frequência diferente de um turista “normal”, quando olho a cidade penso em geografia social, em economia, em formação, organização, a cidade precisa fazer sentido pra mim, me revelar o porquê de sua estrutura. Minha historiografia ocidental conseguiu me explicar Bangkok em parte, mas faltou muito.

Bangkok é hoje uma das maiores regiões metropolitanas do mundo. Sua área em cem anos cresceu mais de 2000%, a população em 50 anos saiu de 3 para quase 15 milhões de pessoas. Recebe por ano 10 milhões de turistas e é o principal expoente econômico do sudeste asiático. Tudo isso explica o crescimento desordenado, o trânsito caótico e uma cidade que convive com as tradições de sua criação em meados do século XV e a forte influência do capital ocidental. 
 
Chegar em Bangkok depois de passear pelas ilhas do golfo da Tailândia foi apaziguador pra mim, confesso que gosto de concreto, quando aparente me sinto mais em casa ainda. No Uber, a caminho do hotel, foi fácil perceber sinais claros de conurbação urbana. O sistema público de transportes ainda é novo e tenta resolver o problema do tráfego intenso. A qualidade do hotel foi uma grata surpresa, com direito a upgrade para o “lady’s floor”.

Nada que você acha que já conhece é igual em Bangkok, até a fila do metrô, aqui há muita organização em meio ao caos. Primeiro dia foi se perder em Chinatown, a sensação é de Saara no Natal, mas com umas comidas esquisitas pelo caminho.


Tudo em Bangkok é muito, é uma cidade que vive em extremos, demonstra sua religiosidade em templos grandiosos e sua economia em enormes arranha-céus. Eu fui ao rooftop do “Se beber não case II”, mais alto restaurante a céu aberto do mundo. Uma puta experiência, belíssimo, mas o jantar mais caro da minha vida também, caro mesmo. 

Bangkok foi conhecida como a Veneza oriental por seus canais, por sua origem absolutamente comercial, que mostra efeitos fortes até hoje. Atualmente muitos desses canais foram fechados em função da rede viária, mas ainda é possível se locomover de barco no meio da água marrom e segurança naval questionável. Passa-se ainda por lojinhas alagadas, sim, sempre alagadas e sobre tábuas de madeira, e está tudo bem.

Confesso que sou incapaz de discorrer sobre o budismo, hinduísmo, o sincretismo dessas religiões e o tamanho da importância delas nessa cidade. A beleza dos templos é indescritível, assim como o respeito dos tailandeses e turistas que os visitam. O Buda reclinado é de tirar o fôlego, maior que a estátua do Cristo Redentor. Wat Pho reserva também a primeira e mais tradicional escola de massagem tailandesa, muito de medicina, ciência, e alma (há um sagrado na massagem), junto ainda ao conhecimento das ervas orientais. 


Não consegui visitar o imponente Grand Palace, mas tive a sorte de observar um evento muito mais interessante. O país vivia um luto de um ano, em outubro de 2016 o rei Rama IX faleceu aos 88 anos. Considerado um pai pelos tailandeses, ele foi o governante mais longínquo da história, foram 70 anos de reinado. Pelas ruas pessoas de preto, altares com homenagens em todos os lugares e a sensação de estar em um velório infinito. Difícil entender essa fé em um governante quando vivemos uma crise ideológica no Brasil. Por aqui Estado e sagrado se misturam e a fé das pessoas foi algo fantástico de se assistir, se assemelhava ao luto da perda de um familiar. Milhares de pessoas vieram de fora de Bangkok e acamparam por dias nas ruas da capital para assistir um funeral que durou cinco dias, custou certa de 90 milhões de dólares, com uma grandiosa cerimônia de cremação com mais de três horas de duração.

Como tudo é imenso, a cidade ofere um complexo de shoppings gigantesco, todas as grandes marcas estão aqui e reunidas em prédios magnânimos. Quando você acha que nada mais vai te impressionar conhece a maluquice da Khaosan Road, rua queridinha dos mochileiros, mas que pra mim perde pra Lapa em sexta-feira lotada. E passa pelo “red light distrit” daqui, a abordagem é direta e efusiva, assim como a concorrência, uma boate do lado da outra, mas organizado, as moças usam até crachá de identificação. Bastante óbvio que o turismo sexual é amplo em Bangkok. Ainda deu tempo de passear por um incrível e barato Night Market e escutar “Gustavo Lima e você” no meio da feira. Valeu Brasil! 

Definitivamente a capital tailandesa foi a cidade mais desafiadora que conheci, em sua complexidade, em uma história muito recente, porém com uma sequência de reviravoltas. A metrópole mistura moderno e antigo, bairros nobres e extensa pobreza, organização e absoluto caos. Visitar a cidade foi ir muito além da historiografia dos bancos da faculdade. Obrigada Bangkok!