domingo, 24 de julho de 2011

Dom: fardo ou benção???

A notícia do fim de semana sem dúvida foi a morte precoce, porém previamente anunciada, da cantora inglesa Amy Winehouse. Os problemas com drogas e álcool eram de conhecimento do público, as freqüentes “recaídas” fizeram com que a mãe da cantora declarasse ao Sunday Mirror que “a morte de Amy era questão de tempo, ela parecia estar fora de controle”. Aos 27 anos a cantora foi encontrada morta sozinha em sua casa. O que levanta uma questão importante: por que esse é o fim de tantas pessoas ligadas à trabalhos criativos?

A lista da chamada “maldição dos 27” é extensa, Robert Johnson, Janis Joplin, Jimi Hendriz, Kurt Cobain e outros. Todos em um processo depressivo que envolvia drogas e muito álcool. O fim comum dos roqueiros pode levar ao raciocínio simplista de “sexo, drogas e rock and roll”, mas que tal lembrar dos poetas, artistas e cantores de outros gêneros que também passaram pela mesma escuridão dos roqueiros?

Desde o século XIX há um senso comum de que atividades ligadas à criatividade são rodeadas por uma escuridão sem explicação. Herança da segunda geração do Romantismo talvez, quando se diz que Goethe matou mais jovens com “Os sofrimentos do jovem Werther” que a guerra, o que se sabe é que são anos de uma reputação de gênios maníaco-depressivos, emocionalmente instáveis.

Em palestra, Elizabeth Gilbert (Eat, pray and Love) falou que após o enorme sucesso de seu livro as pessoas passaram a vê-la como uma condenada. O medo de nunca mais escrever um bom livro e a idéia de que o sucesso de sua vida acabara de passar por ela, mesmo ela ainda estando com 40 anos. Como se toda a produção de sua vida tivesse simplesmente acabado. Para ela, é essa condenação que distorce egos e cria expectativas que as vezes podem não ser supridas.

O escritor Norman Miller disse que “cada um dos meus livros me matou um pouquinho”. É uma declaração muito triste se pensarmos no fardo que essa pessoa carregou a vida inteira. Na Grécia antiga, não se acreditava que a criatividade era competência humana, mas sim um sopro divino, um momento de transcendência, chamado de daemon. Esses daemons - espécies de espíritos- que eram responsáveis pelas obras, por seu sucesso ou fracasso, o que isentava o criador da responsabilidade.

Gilbert defende que essa idéia de momentos de transcendência é o exato distanciamento necessário para que o autor não se torne escravo de sua obra e de seu processo criativo, que por vezes perpassa por métodos inexplicáveis. Os bloqueios criativos, por exemplo, pavor de autores, “nunca perguntaram ao meu pai se ele tinha algum bloqueio criativo em seu trabalho com engenharia química”, é o medo que acompanha as atividades criativas.

A lista de artistas que perdemos precocemente é imensa, passando pelas brasileiras Elis Regina e Cássia Eller, que tiveram o mesmo triste fim de Amy, pelo rei do pop Michael Jackson, enfraquecido após anos de uma vida atormentada. É uma questão a se pensar, se os dons são bênçãos ou fardos que a pessoa carregará por toda existência e até que ponto o sucesso dela deve reger o resto da vida. A triste conclusão é que esses artistas quando não morreram pelas próprias mãos, foram derrotados por seus dons, fica a questão.

E se eu gritasse, entenderia?

“É uma dor que precisamos entender em voz alta”. Verdade incontestável, no meu caso eu preciso não só exercitar minha oralidade, mas desenhar palavras no papel que possam reorganizar minhas idéias. Ainda não aprendi a parar de procurar explicações, preciso entender os acontecimentos e simplesmente não compreendo quando elas fogem das linhas lógicas.

O tema é mais do que batido. Não quero passar linhas e linhas falando das diferenças entre homens e mulheres e suas reações frente à potenciais novos relacionamentos, até porque acredito que nada que eu escreva caracterizará um novo fato ou uma nova explicação que vá solucionar os problemas.

Já usei palavras de muita gente na tentativa de explicar os insucessos dos meus relacionamentos. Assim como já li todos esses artigos que falam sobre mulheres independentes. Já passei horas deliberando com mulheres com a exata mesma reclamação. O fim é sempre o mesmo, não se chega a nenhuma conclusão.

“Sim, eu vou embora, mas nada de se magoar”. A letra da música é fantástica, só esquece de contar como isso é possível. Como eu vou embora ou deixo o outro ir sem a sensação de que mais uma história acabou sem o final feliz que os contos de fada prometiam? Sabe aquelas histórias do pegador que virou bom moço pela mocinha e foram felizes para sempre? Então, essas não são pra mim.

Começo a achar que os homens não deixam as mulheres, eles me deixam. Deve ter algum componente genético ou comportamental, ou eu sou boa demais ou ruim demais. Sem dramas, sem lágrimas, é a única conclusão possível. Porque eu não engulo essa de “eles não gostam de mulheres independentes demais” ou “mulheres inteligentes assustam os homens”, para mim são as desculpas que a gente mesmo se dá.

Não me enquadro em nenhuma das descrições clichês de comportamentos femininos, não sou grudenta, não sou ciumenta, não dou barracos ou faço cenas de extrema carência em público. Não tenho problemas de auto-estima, gosto de futebol, acho cerveja uma prerrogativa masculina. Sempre passei com louvor nos testes “como conquistar seu gatinho” da Capricho e mesmo assim não ando tendo casos de sucesso para contar por aí.

Assisti um namoro ruir, vi cada pedaço se desfazer no ar quando eu estava absolutamente de mãos atadas, nada pude fazer, não era eu, era ele. “É uma dor que precisamos entender em voz alta”, mas mesmo gritando aos quatro ventos corro o sério risco de simplesmente nunca entender. Continuo gastando toda a minha escrita, grito a plenos pulmões, mas a inquietude do “por que?” não se vai. Aceito explicações, atenciosamente.

Mito da criação das vozes

No princípio era o silêncio. Nada se escutava, nada produzia som. Quando Deus em sua infinita grandiosidade vagava pela escuridão profunda de um mundo ainda por fazer. E numa mistura de luz e energia o mundo foi criado e Deus colocou as mais diversas criaturas no paraíso recém formado pelo encontro harmonioso de elementos.

E veio o primeiro homem, Athos. Forte, viril e perfeito em sua criação, mas solitário. E Deus viu que era hora de criar a mulher, Isa, sensível, meticulosa e absolutamente perfeita em sua criação. Isa passeava ao sabor do vento, dedicava seus dias ao ouvir os sons que a natureza lhe concedia, não entendia o silêncio, não compreendia porque não era capaz de emitir canções como as que ouvia em suas andanças.

Um dia, o entardecer, quando o sol já se despedia com os últimos raios de luz, Isa ouviu a mais bela canção irromper por entre as árvores. Jamais escutara som tão hipnotizante, ficou ali, parada, sem conseguir identificar de onde vinha tão bela voz. Olhou ao redor, mas não pode ver quem seria capaz de produzir as notas tão afinadas.

No dia seguinte Isa foi ao local, escutou a mesma canção e mais uma vez não conseguiu identificar o cantor. Ao terceiro dia, Isa decidiu se esconder por detrás das folhagens e ali ficou até voltar a escutar a voz. E pela primeira vez conseguiu ver camuflado entre as folhagens um pequeno ser de olhos expressivos, grandes e pretos, e uma plumagem castanho avermelhado que a plenos pulmões entoava notas que Isa jamais tinha escutado. Era um Rouxinol, o cantor noturno da floresta.

Isa se apaixonou por aquele ser oculto e misterioso no instante que o viu. O pássaro que preferia o anoitecer ao amanhecer encantou a jovem. Todos os dias ia na mesma hora e no mesmo local encontrar o belo pássaro. Aos poucos o Rouxinol passou a confiar na mulher e se aproximar mais. Isa continuava a se martirizar por não poder emitir notas como as daquele tão pequenino ser, o rouxinol prometeu que ainda lhe daria o segredo.

Com o passar do tempo Athos começou a sentir falta de sua companheira, que dedicava muitas horas do dia na companhia do Rouxinol. A solidão lhe causava ira, não compreendia os sumiços de Isa, que lhe ocultara o motivo real de seus passeios. Um dia decidiu segui-la em sua andança ao fim da tarde, descobriu o pássaro e ficou enciumado da relação dos dois.

Athos consumido de ciume e raiva decidiu que aquela voz seria dele, não poderia pertencer a um ser tão pequeno e insignificante. Assim Isa não mais se agradaria da companhia do Rouxinol e voltaria a se encantar com as horas passadas ao lado de Athos.

Athos preparou então uma armadilha ao pássaro. No dia seguinte, um pouco antes do horário do encontro com Isa, o homem se escondeu por entre as folhagens. Ele sabia que Isa se atrasaria para o encontro, tinha se incumbido de desviar a atenção da mulher com novas frutas que encontrara no dia anterior. Quando o Rouxinol apareceu a procura de Isa, Athos avançou para cima dele em um sobressalto e o aprisionou. O pássaro soltou um grunhido alto que toda a floresta ouviu, Isa se assustou e correu na direção do encontro.

O homem prometeu matar Isa caso o Rouxinol não lhe desse sua a voz. Disse que a mulher já entraria no local e assim que chegasse seria flechada com o mais cruel e mortífero veneno. O pássaro assutado e tentando prometer sua amada prometeu a voz ao homem, suplicou que não matasse Isa.

Antes que o Rouxinol pudesse transferir sua voz para Athos, Isa chegou e vendo o amado aprisionado e os olhos furiosos de Athos ficou petrificada. Desesperada, ela avançou sobre Athos e um descuido acabou soltando o pássaro, ainda mais furioso ele aprisiona Isa e promete por sua própria vida que irá matá-la se não puder ser dono da bela voz. O rouxinol em desespero voa de volta para Athos. Isa suplica por sua vida e de seu amado, mas Athos é irredutível.

E nesse mesmo momento, momo uma estrela, o Rouxinol fica cheio de luz, de seus olhos negros saltam fagulhas de energia. Iluminada como o sol, ele se aproxima de Athos e pousa em sua cabeça, começam a sair os mais belos sons ouvidos e feixes de luz que vão iluminando o homem. Isa se desespera, ela sabe que seu amado não suportará tamanho esforço, com esforço ela consegue derrubar Athos.

A transferência estava quase no fim, não há mais reversão, em um ato de declaração de amor o Rouxinol passa os poucos sons restantes pousando na cabeça de Isa. Assim, ela recebe os últimos tons, mais agudos e os trinados mais belos da terra. O pássaro fraco e sem voz desfalece nas mão de Isa, que lamenta em canção o sofrimento do amado.

Athos se recupera do tombo e flecha seu objeto de inveja. O rouxinol está morto. Isa faz um registro agudo do sofrimento sentido, enquanto Athos canta grave a inveja do amor de Isa pelo rouxinol. Isa passaria todas as tardes de sua vida em canções de lamento pela morte do Roxinol que tanto amou. As mais belas canções agora seriam por ela dedicadas à lembrança do amor que lhe fora tirado pela ira e inveja de Athos.