domingo, 18 de setembro de 2011

Ainda chego lá

Sempre achei que ser mulher requer muito tempo. Primeiro, porque gostamos de coisas que tomam nosso tempo: se arrumar, conversar, cuidar, falar e amar. Qauntas vezes perdi uma tarde inteira numa liquidação, uma noite ouvindo o desabafo de uma amiga e horas falando sobre o amor ou simplesmente amando? Porque a gente, quando tem uma noite de amor, só quer falar disso nos dias seguintes. Arrumar também detona o tempo. Arrumar a casa, a obra, a vida, a si mesma. Sem falar na horas pagas que gastamos na terapia. Depois de se arrumar, a gente sempre acaba cuidando de alguém: de cachorros a filhos, passando por maridos e avós. Meu pai dizia que só queria filhas mulheres porque mulher tem o dom de cuidar. Ele teve três filhas, que cuidaram dele até o fim, e a saga continua com cinco netas, que certamente vão cuidar dos pais.

Tem outra coisa que engole o tempo e que mulher faz muito bem: pensar.


“O Carlos estava tão esquisito hoje, tenho que deixar o dinheiro para feira, estou envelhecendo, saudades da Paulinha, é aniversário da vovó, vestido lindo, minha unha está péssima, meu pai não está legal, preciso malhar, que mundo violento, como o tempo passa, Maria se separou, vou ligar para ela, preciso falar sobre isso na terapia, amanhã tem pilates”

Pensamentos gastos numa noite acordada, numa rua engarrafada ou na esteira suada. Ou, enquanto pega e-mails, ela manda uma mensagem de texto e entra no Facebook. Não acho que mulher faz dez coisas ao mesmo tempo por insanidade, e sim por necessidade. Para ganhar mais tempo para si e para o outro.

E quando a gente acha que está ganhando do tempo, vem marido e filhos e um monte de teoria. De que o casamento tem que ser regado todos os dias (o que detona tempo e paciência), e isso significa transar com ele pelo menos três vezes por semana, ser romântica, ficar bonita, e conversar. Outra teoria muito usada e incentivada pela culpa é de que o filho tem que ter atenção absoluta, caso contrário cresce inseguro (nessa teoria, vai toda uma vida). A última e mais cruel teoria é de que conquistamos um mercado de trabalho machista e competitivo, portanto a hora de trabalhar é agora, porque o mercado é cruel com os mais velhos e é preciso se reinventar a todo momento. (Aí, se perde, além de tempo, toda a calma interior que nos resta).

Como amar os filhos, transar com o marido, trabalhar o dia inteiro, malhar, se cuidar, organizar a casa, trocar a babá e se reinventar em 24 horas?

“Se for só mãe, não vou me sentir realizada profissionalmente, se for workaholic, vou ser péssima mãe; se não me cuidar, meu marido vai me largar; se não organizar a casa ela não anda, se me preocupar demais pode prejudicar a saúde. E para ser saudável, tenho que viajar pra relaxar”. Mais uma coisa que toma tempo: organizar uma viagem. Ainda sobram os amigos e a família.

A prova do ou isso ou aquilo

De vez em quando, penso que, se o dia tivesse mais quatro horas, metade dos meus problemas estaria resolvida. Sobrariam mais uma hora pra minha filha, outra para mim e as outras duas para ir ao cinema com meu marido (filme de três horas está fora dos planos). Ainda faltariam mais uma horinha de sono, outra para fazer um check-up, ler um livro e pensar na vida.

Todo dia, faço uma listinha do que tenho que fazer no dia seguinte, ao longo do dia vou riscando mus compromissos com orgulho de um atleta batendo seu próprio recorde.

Ao fim do dia, quando a listinha está toda assinalada, sinto um prazer quase sexual em saber que eu consegui cumprir tudo. Pego uma folha branca e recomeço minha luta do dia seguinte, Tenho também uma lista paralela, que fica guardada, essa sem tempo estabelecido, para quando tiver tempo. Nessa, se incluem coisas como: arrumar armários, doar roupas, organizar fotos, ler livros, meditar, trocar o sofá, consertar a bicicleta, fazer um curso e aprender uma receita. Essa lista existe há anos, e todo ano renovo, colocando mais um item: ter mais tempo. Ás vezes, engano o tempo fazendo “a prova do ou”. Ou vou à ginástica ou durmo, ou levo minha filha à escola ou à natação, ou visitar minha mãe ou minha irmã. Ou durmo ou namoro. E perco um tempão escolhendo o que é melhor para aproveitar o tempo.

A gente reclama que não tem tempo, mas esquece que, há pouco tempo, a gente tinha que ir a um orelhão telefonar, parar para escrever uma carta, levar ao correio e esquentar uma comida na panela. Hoje, o celular, a internet e o micro-ondas encurtaram o tempo, e eu tenho a sensação de que tenho menos tempo ainda.

A vida se tornou barulhenta. Às vezes, tenho saudade de gastar tempos com o silêncio, de ouvir uma música inteira, de não ter que fazer nada, de ter tempo para a tristeza, de não ter caneta para anotar meus afazeres que eram apenas afazeres. Tempo para ser complexa. Para chorar e me recuperar sem ter que colocar uns óculos e sair correndo. Eu desligava o celular e desligava a mim. Hoje, se quiser me desligar nem sei mais onde fica o botão. Não tenho mais tempo para sentir o tempo. Talvez porque a gente tenha se ocupado demais para suprir os nossos desejos que a gente nem tempo de saber quais são. E hoje a frase que mais repito é: “Não dá tempo”.

Por que será que na infância a gente não pensava no tempo? E, na adolescência, a gente queria que ele passasse rápido? Por que será que os homens só pensam no tempo quando aparecem os cabelos brancos?

Mas eu queria saber mesmo é quem inventou que o dia tem só 24 horas? Quem fez essa conta errada?

Algum homem, é claro, casado com alguma mulher que consegue cumprir a listinhas de todos os dias


(Ingrid Guimarães)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

À elas com carinho...

Minha primeira boneca Barbie logo ganhou companhia e passamos a passear por aí. Íamos eu, minha boneca e todas as tralhas dela passar tardes divertidas em outro território. O tempo nunca era suficiente, no fim sempre tinha o “mãe, só mais meia hora”. Passávamos horas ali, entre roupas, carros, banheiras e todo os assessórios que nossas bonecas tinham, e quando não tinham a gente inventava, nas nossas brincadeiras a imaginação não obedecia limites. Há quase vinte anos eu aprendi com você o que era compartilhar.

A escola não é fácil para ninguém. Sempre achei que ou eu era muito pequena ou o mundo que andava rápido demais ao meu redor. Ninguém entendia muito bem os meus problemas, eles eram sérios, pelo menos ao meu ver, mas os adultos insistiam em ignorá-los. E você estava lá, mais bonita, por vezes mais esperta e sempre disponível para os dramas adolescentes. Foram anos assim, eu pra você e você pra mim. Com você eu descobri o que era fraternidade.

Tomar decisões nunca foi o seu forte, eu me assustava, mas acho que ainda me virava bem. O último ano do que até então conhecíamos como organização social estava indo embora. Olhar para o futuro trazia uma sensação de desconforto misturada a nossa freqüente ansiedade, que nos acompanha até hoje. Chegou a formatura e as dúvidas se agravaram, a Universidade se mostrou mais trabalhosa do que imaginávamos. Foram vários puxões de orelha. Você me ensinou sobre ser incondicional.

Algumas pessoas simplesmente surgem em nossas vidas. Com você foi assim, numa tarde quente em um aula improvável. O tempo foi pouco, eram só algumas horas por semana de uma falação interminável, mas o necessário para algo que duraria a vida toda. E veio a mesa cativa, a revista recém editada, começamos a brincar de ser gente grande. A vida seguiu e nossos projetos começam a tomar formas. Você me ensinou sobre determinação.

Sensibilidade seria a sua palavra, aos poucos aprendeu a ler meus sorrisos, meus olhares e meus silenciosos pedidos de ajuda. Protagonizou boa parte das histórias engraçadas que conto por aí, companhia necessária de batizado à casamento. O sorriso largo e a paciência me mostraram um lado que eu não conhecia, a sensibilidade se confunde com sensitividade com você. E se tudo caminhava para que fosse uma concorrente, ganhei uma parceira. Com você foi fácil aprender sobre cumplicidade.


A despedida e a vida em outra cidade mostraram o longo caminho que ainda temos a cumprir. Tem gente que chega sem avisar e de repente toma muito espaço. Com você foi assim, não lembro de data, de ano, de acontecimento, só lembro de horas de conversa, de passeios agradáveis. Nossa torcida é sem barreiras. Com você soube o que era ter suporte.

Descobri o que me toca, o que me emociona, todas em sua maneira especial de ser. Vi a realidade de uma relação sem interesses, sem exigências, sem competição, que se orgulha do outro, que quer tomar as dores e compartilhar as felicidades. Daqui a 30 anos ainda vamos nos encontrar, sentar, fofocar, reclamar, chorar e rir como quem se orgulha ao lembrar de um passado nostálgico. Com vocês, no seu mais singelo significado, aprendi o que é amizade.