terça-feira, 30 de setembro de 2014

E a menina foi dançar

Não era a primeira vez que ela o via, mas nunca tinha estado tão perto. Os passos ainda eram lentos, os movimentos trocados, era muito cedo. A sala ainda não era um ambiente confortável, não tinha aquele gosto de casa, de querer ficar. Quando ele chegava perto o corpo se negava a obedecer aos comandos, as pernas bambeavam, esquerda virava direita e direita se perdia, o braço insistia em cair, a memória se apagava. Tudo parecia sair de ritmo. 

No acalanto da dança ela achou o que nem sabia que procurava, testou limites, ganhou confiança, descobriu um espaço só seu. Pernas que alcançam mais que o chão. Braços que podem desenhar linhas que tocam o infinito. E com os giros soube como é bom poder parar o tempo. Ao lado de uma barra achou o equilíbrio que não se encontra fora da dança, subiu em pontas e enxergou muito além.  Em um salão encontrou em dois a conexão que não se acha em um.

 “Mas dançar com outra pessoa, formando um par, é um ritual que exige uma espécie diferente de sintonia. Olhos nos olhos, acerto de ritmo. Hora de confiar no que o parceiro está propondo, confiar que será possível acompanhá-lo, confiar que não está sendo ridículo nem submisso. (...) É uma espécie de conexão silenciosa, de pacto, um outro jeito de fazer amor.” (Martha Medeiros)

Nunca precisou de plateia, de luzes ou palco, a dança foi só dela por anos. Mas enfrentar o palco quando já não mais achava possível a fez pensar que podia ir além, que ainda tinha um mundo todo a desvendar em rodopios e pontas fora das salas de ensaio. Se não era sua maior paixão, agora ocupava um lugar especial, talvez tardiamente, mas enfim descobria o que o corpo pedia, como ele se movimentava, como era feliz ali, como tudo era calmo, como era tão o seu lugar. 

Anos depois ela aprenderia a confiar, as pernas já não tropeçavam em si, o braço se mantinha no lugar. Ali ela tinha aprendido a se entregar, a se deixar levar por ele, ninguém nunca tomaria aquele lugar, a cumplicidade dos movimentos que agora se desenham em dois e se perdem na melodia de um salão que pode ser infinito mas cabe em uma só harmonia, de um abraço. Agora, tudo ali parecia entrar no ritmo.