Nos tempos de faculdade flertei com jornalismo literário e
conheci o trabalho de uma jornalista habilidosa, de textos extensos e olhar
peculiar. As pautas comuns, ela escrevia sobre pessoas, sobre a vida que
ninguém vê, título que virou livro anos depois. A sensibilidade dela sempre me
encantou, como ela se conectava com os entrevistados, os respeitava, devolvia
dignidade àquelas pessoas por vezes invisíveis à sociedade. Na complexidade das
teorias sociais e do cotidiano ela simplesmente simplificava.
Sete anos depois ela explode em mim em mais um dos seus textos
que eu gostaria de ter escrito, que ficam rodando os pensamentos por dias, que
perturbam até os sonhos. Em artigo longo no El País, ela escreveu sobre
ansiedade, aquilo que luto diariamente contra, sobre essa vontade louca de não
perder nada, de alcançar o 24/7, sobre estarmos sempre exaustos e correndo.
Logo eu que gosto tanto da minha rotina maluca me vi ali
desenhada em uma triste e preocupante fotografia. Me vi criando muito pouco,
recebendo muito conteúdo, me distanciando de mim e mais ainda perdendo a minha capacidade
de compartilhar. Pelas linhas dela vi como me exploro nessa ansiedade de
produção infinita e na cobrança de sempre ser mais, fazer mais e acabei me percebendo
mais egoísta e pavorosamente limitada.
“Afinal, se tudo é
possível, como eu não posso? O imperativo do tudo é possível é, paradoxalmente,
aniquilador. Porque, obviamente, tudo não é possível. Nada mais limitante do
que acreditar não ter limites. E viver como se poder
poder dependesse apenas da (livre) iniciativa de cada um. E não poder poder, ter limites, portanto,
fosse um fracasso pessoal.” (Brum, Eliane)
Eu sempre me orgulhei em ser multitarefa, na habilidade de
fazer trocentas coisas ao mesmo tempo e pensando nas próximas, me vi ali na
solidão que o texto elucidava. Os excessos com trabalho, descaso com os limites
e a depressão. Minha autoexploração tinha me tornado vítima de mim mesmo.
Questionei minha capacidade de me aprofundar em um, de contemplar. Quantas
vezes me vi com limites desenfreados, querendo tudo o tempo todo e rápido?
Afinal o tempo ia passar e eu não podia ficar. Quantas vezes deixei as
expectativas tomarem conta na ansiedade de sempre ser mais? Afinal, eu não
podia mesmo ficar.
Revi meus comportamentos, refiz perguntas, mas não, não
entrei na Yoga, nem no TaiChi, não fui, (nem vou), largar tudo e morar no litoral.
Assim como a autora encerra a argumentação dizendo que não vamos mudar, que
seguiremos em nossas rotinas, acho que também não vou mudar tanto assim, mas é
preciso pensar. Ela também diz que há
chance enquanto houver rebeldia. Apesar de uma inconformada inveterada, a minha
não veio espontaneamente, minha mente que se rebelou, quebrou e exigiu uma
pausa, me ensinou a desacelerar porque existem sim limites e é difícil
reconhecê-los.
No fim, desconstruções foram necessárias. Foi preciso me
reinventar, deixar o determinismo de lado, me abrir de novo, me permitir para
sair do um só. Talvez tenha sido a proximidade dos 30 me levando aos clichês
das reavaliações, talvez minha profunda admiração por alguém que olha e escreve
tão bem, não sei bem, mas a maturidade já me trouxe algumas certezas. Uma delas
é que não quero perder a empatia, mesmo na loucura da minha rotina deixar de
lado a capacidade de contemplar, de me ver no olhar do outro, de doar meu tempo,
de me doar. Quero a correria, mas prefiro deixar a exaustão de lado. Mais que
tudo, assim como a repórter tão admirada, quero saber simplificar.
"E a vida continua surpreendentemente bela
Mesmo quando nada nos sorri
E a gente ainda insiste em ter
alguma confiança.
Num futuro que ainda está por vir.
Viver é uma paixão do inicio, meio ao fim.
Pra quê complicação,
é simples assim”
(Lenine – Simples Assim)