quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap final

Depois da viagem sem surpresas, amém, chegamos a Phuket, a maior ilha da Tailândia. Pelo caminho para o hotel, descobri que é quase uma Grande Phuket, porque é um aglomerado de municípios e tem lá seu aspecto de cidade grande.

Escolhi a dedo o último hotel da viagem, porque depois da andação era hora descansar. E lá fomos nós pra riqueza, ah que delícia é ser paparicado, a começar com alguém pra carregar minha mala. Sim, parece frescura, ou exagero, mas depois de até embarcar em barco com mala na cabeça, quase abracei o moço que me disse “deixa que eu levo”.

E por falar em mala, a minha fiel, e antiga, companheira entrou em agonia pela terceira semana e se recusou a travar direito, então era hora de dar descanso a ela. Em Phuket ela deu seu último suspiro e por lá ficou. Quase chorei, mas a primeira missão na cidade foi ir ao shopping e encontrar uma nova parceira de aventuras.

O dia seguinte foi para conhecer (e se despedir) a praia. Minha surpresa foi me achar no Rio, praia urbana, cadeiras para alugar, ambulantes, juro que estava esperando o mate e o biscoito Globo já. Mar calmo, água morna, uma bela despedida, até o sol apareceu para fazer as honras.

Mas a gente não passa uma sem perrengue, lá pelas 2h da tarde o céu fechou e caiu água pra tudo que é lado. Lá fomos nós de toalha na cabeça andar uma quadra até o hotel. Lembra da riqueza? Chegamos igual pinto molhado nela, nada nem parecido com o glamour do hotel.

Nossa última noite decidimos ir na jantar na rua animada de Phuket. A Tailândia nunca para de surpreender. Fomos na Bangla Road, depois da Sukumvit em Bangkok achei que já tinha visto tudo, santa inocência. Khaosan Road que nada, a Bangla é muito mais animada. A começar pela quantidade de ofertas de “ping-pong show”, que demoramos bastante pra entender o que era, até perceber que eram mocinhas que jogavam coisas, muitas coisas, sem usar as mãos, ou os pés. A rua é gigante, com bares, boates e restaurantes, todos têm poles na frente e decoração peculiar. Quando eu vi o dos tigres joguei a toalha. O que você quiser com certeza a Bangla tem. 

Depois de descobrir outro italiano simpático pra jantar era hora de voltar pro hotel, fazer mala e aeroporto, dessa vez pra voltar pra casa. A última surpresinha foi o táxi van que se acendia todo em azul neon e com um câmbio que era um objeto fálico. 

Foram 20 dias cruzando um país, nove cidades, diferentes regiões, sempre tentando aprender o máximo de sua história, costumes, organização e filosofia. Obrigada Tailândia por me mostrar na prática o que é relativismo cultural, por tirar da teoria o que tanto li, por desconstruir meus preconceitos, por me ensinar sobre simplicidade. Você é absolutamente encantadora, levo excelentes lembranças e saudade. Khorb Khun Na Ka Thai. Até um dia.




Diário de Bordo Ásia - cap VIII


Depois do embarque na água e balangar numa lancha era hora de chegar na ilha mais famosa da Tailândia. Phi Phi foi o local que escolhi para passar meu aniversário. Uma bela escolha, a ilha combina a beleza de praias ainda selvagens e toda uma estrutura turística. Felicidade foi descobrir que o hotel ficava mesmo do lado do pier, melhor indicação da viagem.

A melhor comparação que encontrei é dizer que Phi Phi é Morro de São Paulo da Tailândia. Restaurantes, bares, lojas, muita gente e uma noite super animada. É a praia da badalação, onde as festas são malucas e varam madrugada a dentro. Em mais uma proximidade com a ilha brasileira, percebi que muitos dos estabelecimentos são de estrangeiros, não de tailandeses.

Por lá, trocamos a oferta “tuk-tuk, tuk-tuk” por “boat, boat, boat”, isso porque Phi Phi tem várias ilhas menores ao redor, como a famosa Maya Bay (a praia do filme A Praia), então o tempo todo te oferecem passeios de barco. Só precisa ter um pouco de coragem pra encarar os barqueiros com cara de “Piratas do Caribe”. Minha graça pela viagem foram as feiras e Phi Phi oferece um artesanato lindo, pena que mala tem limite de peso. 

  
A noite da ilha é realmente animada e começa tarde, no horário dos jovens. Um show de malabarismo com fogo na praia me provou que a falta de juízo do povo é sem limites. Teve corda bamba, fogos de artifícios ao redor do malabarista e muitas elevações, impressionante de assistir. As baladas são quase todas de música eletrônica, como não é bem minha praia encontramos um pub com uma banda ótima com um repertório de rock (e tudo mais que pedissem) fantástico. E foi com a versão tailandesa do Pharrel Wilians rock/pop que ouvi meus parabéns às 00h do dia 8.

Passar o aniversário viajando foi um dos melhores presentes que pude me dar. Claro que senti falta da minha mãe me acordando com parabéns. Dos abraços no trabalho, de pessoas importantes, das ligações e comemorações lotadas. Mas a experiência e aprendizado do outro lado do mundo compensaram a saudade e as ligações e mensagens também fizeram que muita gente mesmo longe parecesse muito perto. Ah e os recepcionistas do hotel me procurando pra dar parabéns foi pura fofisse também, assim são os tailandeses, fofos.

A praia em Phi Phi é bonita, mas não é incrível. Então depois de conhecer um casal brasileiro, sim a ilha também estava cheia de brazucas, decidimos sair em um passeio pelas ilhas de cima, aí começa o encantamento, um espetáculo natural. Mas como não podia faltar perrengue, a volta foi com chuva no mar, muita chuva, pra testar minha coragem, ou falta dela no caso. Quando o barqueiro perguntou “qual ilha querem ir agora?”, ouviu um sonoro “go home!”. Valeu Santa da Mamãe, chegamos de novo! Encharcados e congelando, mas sem acidentes.

E então decidimos ir ver o Papa, sim Maya Bay é o “Papa” da Tailândia, não da pra não ir. Leva 10 minutos de barco e todos os dias dezenas deles chegam por lá, ou seja esqueça a ilha deserta do filme, tá mais pra Rio no réveillon. Nossa tática foi ir no passeio que chega lá antes das 7h da manhã, foi ótimo, mas já teve o malabarismo para sumir com o povo nas nossas fotos. Mas acredite, toda a missão vale a pena, a beleza do lugar é de tirar o fôlego.  

A volta já era hora de fechar a mala, se despedir e embarcar para o último destino. Dessa vez foi sem surpresa, pier, barco grande e até descobrimos shuttle pro hotel. Phi Phi foi melhor que a encomenda, pode ter milhões de turistas, ser lotada e meio maluca, mas no meio da confusão é puro charme. Koh Phi Phi obrigada pelo meu aniversário, fui feliz.


domingo, 12 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap VII

Nosso lema por aqui é a lá João Grilo, do Suassuna, “fica rico, fica pobre”. Porque vivemos entre perrengue e riqueza o tempo todo. Aeroporto de novo e era hora de enfrentar o maior dos voos internos, quase duas horas até Krabi e de lá um barco até Railay Beach. 

Agendamos o transfer do hotel e aguardávamos ansiosamente o pé na areia depois de uma semana entre templos, muito calor e muita confusão. Seria lindo e tranquilo, porém junto com a gente no hotel tinha um grupo de 58 brasileiros, sim caímos em uma caravana brazuca sem saber. Nada contra os conterrâneos, mas o hotel obviamente não estava pronto pra transportar tanta gente ao mesmo tempo e foi um caos chegar. Filas e filas e filas.

Descobrimos pelo meio do caminho que era um casal mineira com casamento Thai marcado. Por isso tanta gente reunida. A noiva, viajadora, decidiu proporcionar a experiência que mais gosta na vida para as pessoas que ama, então montou todo um roteiro para o grupo que terminaria com o casamento em Phi Phi. Resumo da ópera, o hotel ficou verde e amarelo a-ha, u-hul! 

Avião, van, carrinho de golfe, caminhada no sol racha coco, barquinho “não conta lá em casa” e rebocador na água, chegamos. Lá se foi meu estômago de novo, terminamos de testar todos os meios de transporte tailandeses. Railay é um daqueles lugares que se chega e esfrega o olho pra ter certeza que é de verdade, que não é miragem. 

A beleza da pequenina praia entre as pedras é indescritível e definitivamente um dos mais belos por do sol que já vi. Um lado da ilha é meio lamacenta, imprópria para banho, mas Railay West é bastante perto da minha ideia de paraíso. 

A ilha é pequena, uma charmosa e minúscula vila e a rua dos bares com shows de fogos e apresentações de Muai Thai. Tinha tanto brasileiro que o bartender depois de perguntar da onde a gente era soltou “acho que não tem mais ninguém no Brasil, tá todo mundo aqui”

São muitos barcos em trânsito o dia todo, uma imensidão de turistas indo e vindo, mas definitivamente vale enfrentar o povão. Claro que teve rolo na saída, lá vamos nós com a caravana de novo pra enlouquecer as miniaturas tailandesas. Desculpa estômago, foi lancha dessa vez. Mala na cabeça e embarque na água vamo nessa. Próximo destino: Phi Phi Island. 


Diário de Bordo Ásia - cap VI

E finalmente chegamos a Chiang Mai, principal cidade do norte da Tailândia, um expoente comercial e cultural. O roteiro inteiro dependeu desse lugar e dessa data, o objetivo era assistir ao famoso festival das Lanternas, sim aquele do filme Enrolados.

Vencida a rodoviária “Não conta lá em casa”, horas de engarrafamento e entender o Cab alguma coisa de novo, ainda meio zonza de Dramin,  chegamos no hotel. A cidade já decorada com lanternas coloridas encantou de primeira. Como meu estômago hostil só me deixa viajar de barriga vazia sempre chego morta de fome. A grata surpresa foi descobrir um restaurante com as típicas receitas da mama. Um italiano simpático cheio de sotaque atendia, cozinhava e servia. 

E veio o dia de conhecer os elefantes. O único passeio que reservei do Brasil. Pathara Elephant Farm, uma fazenda de resgate e preservação dos mamíferos. Como elefante na Tailândia virou uma atração turística, as denúncias de maus tratos são frequentes, tivemos a preocupação de procurar um local que não explorasse irresponsavelmente os bichos. Vimos um elefantinho com um dia de nascido, ainda assustado se protegendo embaixo da mãe, que ferozmente ameaçava quem tentava mexer em sua cria. Observamos o pessoal da fazendo ajudando o bichinho a mamar na mãe sem a interferência do irmão ciumento. Além de outros bebês, fêmeas e machos, elefantes de várias idades. 

O passeio era ser cuidadora de elefante por um dia. Nos ensinaram a fazer amizade (dando comida, claro!) e os comandos em Thai para nos comunicarmos com eles, se liga na pronúncia e eu que não decoro nada. Depois foi hora do banho (e de levar banho). E por fim, o passeio em cima deles, um pouco assustador, mas tamo aqui vivas. “Once lifetime experience” sem dúvida! Didi Seanpooh!

Chiang Mai foi fundada em 1296, capital do antigo reino Lanna, uma organização completamente diferente da confusa Bangkok. Tem mais de 30 belíssimos templos, tudo é muito ligada à religião, 95% da população tailandesa é budista, prova disso são os tradicionais festivais Yee Peng e Loi Khatong que movimentam toda a cidade.

A saga de descobrir sobre o festival foi longa. A coisa mais difícil da Tailândia é se entender com as informações, aqui não tem tudo mastigado para turistas e não é simples achar boas fontes na internet. Com custo entendi que assistiríamos na mesma data dois diferentes festivais, ambos de natureza budistas, porém com manifestações e origens diferentes.

Minha felicidade (de dar pulinhos) foi achar placas em inglês na praça contando a história dos festivais. Yee Peng é o famoso festival das lanternas, acontece na lua cheia do segundo mês do calendário Lanna, acreditam que a luz acesa afaste os males. O segundo Loi Kathong, ocorre na 11° lua cheia do calendário Thai, é uma data em que são colocados Kathongs no rio, uma espécie de oferenda, em que também afasta energia ruim e traz prosperidade. Ou seja é um festival de luzes na água e no céu.

Decidimos fechar um passeio no hotel. Bem turistão, mas era o mais seguro para ver o festival. Foi uma grata surpresa, nossa hostes Bee, uma tailandesa de inglês impecável, respondeu todas as minhas quinhentas perguntas sobre o festival, fofíssima. Além de termos tido a imensa felicidade de fazer khatongs com uma senhora tailandesa extremamente habilidosa com folhas de bananeiras e muito gentil.

Assistimos a um show de dança tradicional, comemos a comida típica e lançamos nossos Khatongs iluminados na água. E veio o esperado momento, ascender as lanternas. Quando sobem é uma sensação dessas difíceis de encontrar palavras para explicar, é como se fosse uma só energia, uma reunião de bons pensamentos, “nada te perturbe, nada te aflija”. O céu fica incrivelmente lindo iluminado, é uma sensação de paz, de felicidade. A emoção é de fazer chorar os mais incrédulos.

A graça de estar em Chiang Mai nessa data é que toda a cidade vive os festivais. Em Wat Chiang Mun um grupo de senhores simpáticos servia comida para quem quisesse. Ganhamos velinhas para acender pela rua e completarmos a corrente de luz em volta do rio. Assistimos ainda a um desfile imenso que contava a historia do Loi Khatong. 


Chiang Mai foi mágica. A filosofia budista Theravada, a mais tradicional delas, é quase palpável pela cidade. Saio com a sensação de recomeço, de estar pronta para o que virá, de ter deixado tudo de mal nas águas do rio e céu acima. Foi fantástico poder participar de cerimônias. Khorb Khun Na Ka Chiang Mai! 


domingo, 5 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap V

Se a Ayutthaya foi meu presente, Chiang Rai foi uma grata surpresa. Uma cidadezinha no norte da Tailândia, com carinha de interior. A gente desceu no aeroporto com plantas entre as esteiras de bagagem sem acreditar muito que ia dar certo.

Esquece o Uber, por aqui é o Cab alguma coisa, mas funcionou, amém, e ponto pra Diana. Hostel gracinha, inglês super compreensível, amo hostel nessas horas. Meu sono segue me matando, quando acostumar já vai ser hora de ir embora. Foi dia de lavar roupa e tentar dormir, tava no orçado esse.

A graça de lugar pequeno é achar no Trip Advisor um restaurante do outro lado da cidade e poder ir andando. Que Deus abençoe o americano que resolveu trazer comida australiana pra Chiang Rai, sim achamos um Outback aqui e delicioso. Não gosto de comida tailandesa, me julguem.

Tudo na Tailândia termina em feira e achamos outro night marketing gracinha pra gastar dinheiros. No meio, um pocket show pra fazer propaganda do show cabaret da cidade. Moça, vamo melhorar isso aí que não tá bom não. 

Graça mesmo foi o segundo dia, descobri que é possível se passar por “everywhere” em algumas horas. Chega a van do passeio, companhias de todos os países em 9 pessoas e vamo nessa. 

Primeiro ponto foi o Templo Branco, um espetáculo alvo de construção moderna, uma tentativa de revitalizar a história da cidade. Em seguida o Templo Azul também mostrou seus traços contemporâneos. Para coroar a relação com as artes, a Black House se apresentou em escuridão e estética duvidosa, mas sem dúvida interessante.

Chiang Rai sofreu por anos com o tráfico do ópio e em uma sequência de conflitos conseguiu mudar sua história. O museu do ópio revela um passado recente de um entorpecente poderoso e muito valioso.
 
Claro que pra mim o ponto alto seria conhecer a Long Neck Tribe. Daquelas organizações sociais tão distantes da sua cultura que é preciso se esforçar pra deixar os preconceitos do lado de fora e ter um olhar de etnógrafo. História encantadora, de uma tribo que encontrou uma forma de proteger suas mulheres, afinal são elas que promovem a vida.

Ainda teve um encontro com macacos malucos, uma escadaria sem fim e um Buda numa caverna com cerâmica. Por fim, o Gold Triangle, de um lado Tailândia, do outro Myanmar e o Laos, sim, três países em um olhar só. Being everywhere foi uma delícia, cheguei meio morta, mas obrigada Chiang Rai, um prato nobre de cultura você. 


Mas claro que ia ter perrengue, porque na Tailândia é assim, tem sempre uma surpresa. Para a próxima cidade o meio era ônibus, chegar na rodoviária de Chiang Rai foi me sentir no “Não conta lá em casa”. Asfalto? Nem pensar. Um quadradão de brita (ou que sobrou dela), uma poeira sem fim, lotado de gente se apertando embaixo de uma lona azul, um tailandês brigando com quem parava no lugar errado e uma barraquinha com uma comida bem fedida. Mas fecha mala que tem cidade nova! 

Diário de Bordo Ásia - cap IV

Ayutthaya talvez tenha sido o meu presente da viagem. A antiga capital do reino de Sião é hoje tombada pela Unesco como patrimônio da humanidade e preserva uma história de 1300, bem aquela que só me chega aos pedaços.

A cidade fica a 80km de Bangkok, fomos de taxi e a surpresa boa foi descobrir que pelo preço que pagamos nosso motorista nos levaria a todos os templos que quiséssemos. Ou seja, foi dia de motorista particular.

Os templos em Ayutthaya seguem uma outra organização, são sítios maiores, espaçosos, contam histórias pelas ruínas de suas paredes e muros. A cidade foi uma das maiores do mundo e um imenso centro comercial entre os séculos XIV e XVI. Hoje mostra de tudo que sobrou depois dos ataques de 1700. Uma guerra deixa marcas profundas, por lá os budas decapitados apresentam o tamanho da ferida. 

O Wat Phra Chao Phya-thai foi amor à primeira vista, mostra muito do que foi a cidade, alem de transmitir uma calma que contagia. O Wat Mahathat reserva talvez o Buda mais famoso de todos, o incrustado na árvore, é absolutamente impressionante como a cabeça da estátua foi preservada pelas raizes. No Wat Phra Si Sanphet a sensação foi de estar em um enorme sitio arqueológico. 

A cidade ainda guarda resquícios de sua origem comercial com um charmoso mercado flutuante. Sim, você entra num barquinho e faz compras de dentro dele.

Até o engarrafamento pra chegar lá e meus constantes enjoos de estrada valeram a pena. Ayutthaya com certeza foi meu presente direto do século XIV. Obrigada Unesco, te devo essa. 




quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap III

Nos tempos de faculdade, a gente costumava brincar que o mais longe que iríamos na historiografia era na Europa oriental, com um pouco de esforço umas matérias perdidas de China e Japão. E foi isso mesmo, estudamos muito pouco sobre a história africana e asiática. Chegar em Bangkok pra mim foi ter a certeza que a história é muito mais complexa do que os manuais nos contam. 

Minha cabeça de historiadora funciona em frequência diferente de um turista “normal”, quando olho a cidade penso em geografia social, em economia, em formação, organização, a cidade precisa fazer sentido pra mim, me revelar o porquê de sua estrutura. Minha historiografia ocidental conseguiu me explicar Bangkok em parte, mas faltou muito.

Bangkok é hoje uma das maiores regiões metropolitanas do mundo. Sua área em cem anos cresceu mais de 2000%, a população em 50 anos saiu de 3 para quase 15 milhões de pessoas. Recebe por ano 10 milhões de turistas e é o principal expoente econômico do sudeste asiático. Tudo isso explica o crescimento desordenado, o trânsito caótico e uma cidade que convive com as tradições de sua criação em meados do século XV e a forte influência do capital ocidental. 
 
Chegar em Bangkok depois de passear pelas ilhas do golfo da Tailândia foi apaziguador pra mim, confesso que gosto de concreto, quando aparente me sinto mais em casa ainda. No Uber, a caminho do hotel, foi fácil perceber sinais claros de conurbação urbana. O sistema público de transportes ainda é novo e tenta resolver o problema do tráfego intenso. A qualidade do hotel foi uma grata surpresa, com direito a upgrade para o “lady’s floor”.

Nada que você acha que já conhece é igual em Bangkok, até a fila do metrô, aqui há muita organização em meio ao caos. Primeiro dia foi se perder em Chinatown, a sensação é de Saara no Natal, mas com umas comidas esquisitas pelo caminho.


Tudo em Bangkok é muito, é uma cidade que vive em extremos, demonstra sua religiosidade em templos grandiosos e sua economia em enormes arranha-céus. Eu fui ao rooftop do “Se beber não case II”, mais alto restaurante a céu aberto do mundo. Uma puta experiência, belíssimo, mas o jantar mais caro da minha vida também, caro mesmo. 

Bangkok foi conhecida como a Veneza oriental por seus canais, por sua origem absolutamente comercial, que mostra efeitos fortes até hoje. Atualmente muitos desses canais foram fechados em função da rede viária, mas ainda é possível se locomover de barco no meio da água marrom e segurança naval questionável. Passa-se ainda por lojinhas alagadas, sim, sempre alagadas e sobre tábuas de madeira, e está tudo bem.

Confesso que sou incapaz de discorrer sobre o budismo, hinduísmo, o sincretismo dessas religiões e o tamanho da importância delas nessa cidade. A beleza dos templos é indescritível, assim como o respeito dos tailandeses e turistas que os visitam. O Buda reclinado é de tirar o fôlego, maior que a estátua do Cristo Redentor. Wat Pho reserva também a primeira e mais tradicional escola de massagem tailandesa, muito de medicina, ciência, e alma (há um sagrado na massagem), junto ainda ao conhecimento das ervas orientais. 


Não consegui visitar o imponente Grand Palace, mas tive a sorte de observar um evento muito mais interessante. O país vivia um luto de um ano, em outubro de 2016 o rei Rama IX faleceu aos 88 anos. Considerado um pai pelos tailandeses, ele foi o governante mais longínquo da história, foram 70 anos de reinado. Pelas ruas pessoas de preto, altares com homenagens em todos os lugares e a sensação de estar em um velório infinito. Difícil entender essa fé em um governante quando vivemos uma crise ideológica no Brasil. Por aqui Estado e sagrado se misturam e a fé das pessoas foi algo fantástico de se assistir, se assemelhava ao luto da perda de um familiar. Milhares de pessoas vieram de fora de Bangkok e acamparam por dias nas ruas da capital para assistir um funeral que durou cinco dias, custou certa de 90 milhões de dólares, com uma grandiosa cerimônia de cremação com mais de três horas de duração.

Como tudo é imenso, a cidade ofere um complexo de shoppings gigantesco, todas as grandes marcas estão aqui e reunidas em prédios magnânimos. Quando você acha que nada mais vai te impressionar conhece a maluquice da Khaosan Road, rua queridinha dos mochileiros, mas que pra mim perde pra Lapa em sexta-feira lotada. E passa pelo “red light distrit” daqui, a abordagem é direta e efusiva, assim como a concorrência, uma boate do lado da outra, mas organizado, as moças usam até crachá de identificação. Bastante óbvio que o turismo sexual é amplo em Bangkok. Ainda deu tempo de passear por um incrível e barato Night Market e escutar “Gustavo Lima e você” no meio da feira. Valeu Brasil! 

Definitivamente a capital tailandesa foi a cidade mais desafiadora que conheci, em sua complexidade, em uma história muito recente, porém com uma sequência de reviravoltas. A metrópole mistura moderno e antigo, bairros nobres e extensa pobreza, organização e absoluto caos. Visitar a cidade foi ir muito além da historiografia dos bancos da faculdade. Obrigada Bangkok! 


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap II

Lembra que a conclusão foi que a Ásia não era para iniciantes? Pois é, não é mesmo. A primeira grande cagada é o fuso horário. Estamos 9 horas na frente do Brasil, seu sono ou não chega ou não vai embora. 

Como ninguém dormiu, 7h da manhã teve corrida na praia, morram de orgulho profs. Descobrimos uma croissanterrie delícia para o café. Mais praia e aproveitei pra ler o resumo história do país, valeu internet tô contextualizada agora. Quantos golpes hein Thai?

Fecha mala e vambora que tem mudança de cidade. E veio a chuva, daquelas brasileiras, que parece que o mundo vai se acabar em água. Só que faltavam duas horas pra gente entrar no barco para Koh Tao, São Pedro vamos conversar? 

A chuva diminuiu (amém), chegou o shuttle pra levar a gente pro Pier. Descemos para a entrada do nosso hotel fofo e charmoso e qual foi a surpresa? A rua era uma enchente, mesmo, tipo água no joelho, pessoal do hotel fez uma barricada pra água não passar, bastante ensinado o povo. Odeio molhar o pé, entrei num leve desespero quando vi a água e meti em português mesmo "moço a gente vai ter que pisar aí?" E eu juro que ele entendeu e respondeu, até riu de compaixão coitado. Ah sim, aqui eles são solícitos e educados. 


Pausa para descrever a água preta, não era marrom de terra, era preta, com cheiro e cor de esgoto. Não tem jeito, segura a havaiana com força e vamo nessa, vem! 

Crise de riso no carro, mas era nervoso. Lembrei de todas as minhas aulas sobre micro-organismos e sanitarismo. Prende a respiração e concentra pra não vomitar. A essa hora meu estômago já tava na garganta. Pausa em outro hotel pra pegar mais amiguinhos, não seria um problema se eles não tivessem fumando cocô, sim, só podia ser côco, porque a caatinga que veio pro carro não teve explicação. Respira, me dá o dramin, não toma muita água.

Reza de novo pro caminho da certo. Passagens, senta e espera. Porto, peixe, muito cheiro de peixe. Foi mal estômago, tô te testando pra cacete hoje. Mais dramin, Coca-Cola. A chuva parou. Barco, vamo logo que o moço é agoniado. Uma pequena Torre de Babel, línguas das mais variadas origens. Sono, toda torta. Chegamos, valeu Santa da mamãe! 

Taxi para hotel em Koh Tao é traseira de caminhonete. Oi sacode carola. Estômago desculpa de novo. Depois de dois Dramins eu ainda duvidava um pouco da minha existência. 

Aí você chega no hotel e descobre que ele está em uma reforma/ampliação. Sim, uma obra no meio de uma ilha na Tailândia. Cadê o quarto bonito das fotos?

Conselho da tia, se resolver vir pra Ásia arrume uma parceria que seja na alegria e tristeza, na saúde e na doença, senão ferrou. Aqui o time anda bem unido e mesmo assim é osso. Outro conselho, "use protetor solar" e repelente.

Pé na areia. Deus, caprichou de novo hein!?

Mas nem tudo é cagada. Koh Tao é uma ilha linda, descobrimos que o final da corrida pode dar num paraíso e quando o sol aparece é um espetáculo à parte. Café da manhã na praia também é puro charme. 

A invenção dessa vez foi mergulhar. Lá fomos nós conhecer os "pode crê" da ilha. Tailandeses? Não! Nosso instrutor era canadense, estilo os gringos que vão morar em Itacaré. Perguntei muitas vezes se o troço era para iniciantes nível 0 e ele me garantiu que sim. 

Na hora marcada estávamos lá. Nós, os gringos e os pode crê. Mais barcos, equipamentos, assina os papéis que não vai morrer e vamo pra aulinha na praia, por sinal que praia, Nang Yuan merece aplausos. Nadar eu sei, respirar pelo boca não exatamente. Mas de repente estávamos um monte lá embaixo, confesso que até agora não sei o quanto, respirando por um cilindro. Vendo corais, peixes e todo um ecossistema, meu medo era machucar alguns dos seres, juro, estava tão maravilhada que meu medo era fazer cagada na casa alheia. Minha parceira nasceu pra ser peixe, descobriu que podia morar lá embaixo e até encarou o mergulho número dois. Meu ouvido não permitiu, um já tava bom e foram quase 50 minutos embaixo d'Água.

Hora de fechar mala e mudar de cidade. Obrigada Koh Tao. 

Mas pra não perder a rotina dos perrengues teve muita chuva na chegada do trajeto barco-aeroporto. Uma calça molhada depois, vem Bangkok, vamos lhe usar! 





terça-feira, 24 de outubro de 2017

Diário de bordo Ásia - cap I

Quando eu inventei de vir pra Ásia já sabia que ia ser uma aventura. Em dois dias por aqui, tiver certeza, não é para iniciantes. Sério, não mesmo. Então pra quem não sabe lidar com adaptações do planejamento e leu muito sobre segurança, melhor pensar em outro destino.

Depois de um atraso de cinco horas no primeiro trecho, dentro do Brasi ainda, corremos (literalmente) pra pegar o voo para Istambul. Sentadas no avião foi tudo tranquilo, só aquela sensação de que chega o natal e a gente não chega. A Turkish oferece stop and go, escala de 16 horas, eram 10h da noite, vambora pro hotel. Mano reza pro cara da van não estar te levando pra tirar os rins, não tem condições de entender nadica de turco. Foi teoria da manada, tá todo mundo indo, vamo também. Mas deu tudo certo, nessas horas acho que as santas da minha mãe me protegem. 

Encontrar uma cama e um chuveiro depois de 24 horas em trânsito (até fazer essa conta foi dolorido) é mágico. Só que em 12 horas de hotel a gente conseguiu alagar o banheiro, o ralo não funcionava direito, e quebrar um pote de barbecue no chão. Cansaço causa desastres. Mas sobrevivemos e no outro dia tinha mais aeroportos e voos.

Em Istambul descobrimos que é possível passar por três revistas até chegar no seu avião. E que existe um turismo interessante no país, o de implante de cabelo. Sim, é uma pechincha o tratamento por lá (internet me contou), filas de homens de faixa na cabeça e pontinhos vermelhos, demorei horas olhando até entender que não era um time de esporte, sim de ex-carecas. 

Voo, mais dez horas, lotado. Tailandês é pior que turco, não dá nem pra chutar uma palavra parecida. Reza pra galera do cecê não estar do seu lado. Chegamos. Calma, falta um voo ainda pra ilha. Puta merda, tem hélice o trem, se eu morrer minha mãe me mata. Sem emoções, teve até serviço de bordo em 45 minutos de voo.

Quando você chega e o ônibus do desembarque remoto é igual ao carrinho da Disney você sabe que a emoção tá começando. Aeroporto de madeira, cara de parque, a mala chegou, amém. Suttle pro hotel, mão inglesa, moço você vai matar a gente. Trânsito de Goiânia ficou lindo, aqui o troço é ousado.

Aí você chega no hotel, ganha toalhinha gelada, suco e jogo de adivinhação, a mocinha fala tão pra dentro, que só chutando. Desce pra praia e descobre que toda a romaria vale a pena, Deus por aqui você caprichou hein!?


domingo, 22 de outubro de 2017

E chegou...

E de repente você chegou. Eu nunca te esperei, nem por um minuto achei que fosse você. Era peça distante, enredado em outras histórias, nem sequer tínhamos os mesmos personagens, nossas estradas não tinham pontos em comum. E mesmo assim, em uma dessas viradas do destino, você chegou.

Você chegou como quem passeia em poesia, calmo, devagar, sem movimentos bruscos, sem aceleração de narrativa. Não teve drama, vivemos nossas tragédias em contos separados. Nossas jornadas não permitiam intercessão. Mas parece que desconsiderei que na linha chamada destino eu não dito carácteres.

Quando nossas historias se cruzaram ainda trazíamos as feridas de um ano complicado, de novas resoluções e de tudo aquilo que fugiu do controle. Os roteiros eram outros, os ensaios também, mas parece que a direção deu novos rumos e fez de nós um novo capítulo. 


Você não chegou em clímax, veio em lirismo, em cena longa, lenta, com fotografia bonita e plano aberto, dessas feitas para admirar. Foi emocionando devagar, preenchendo espaços, ganhando em cada detalhe e tomando o palco para si. A cena passou a ser sua, meu palco passou a ser seu também. Me vi na "sorte de um amor tranquilo" do poeta. Eu sorri. De repente, você chegou. 

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Um dia eu me afoguei

Foto: Katie Joy Crawford

Um dia eu me afoguei. Não foi como quando se aprende a nadar e engole um pouco de água, foi a sensação de ter uma parte importante se esvaindo, de não mais ser capaz de controlar o próprio corpo, não mais era dona da minha respiração. Não me afundei em uma piscina, tão pouco em águas abertas, me perdi em ansiedade, deixei que ela me dominasse a ponto de não mais conseguir emergir sozinha. Assim dei entrada no hospital, depois de um quase dois dias sem comer, vomitando tudo que eu não mais era capaz de aceitar ou digerir. Não era fisiológico, o quadro: transtorno de ansiedade. Minha mente tinha vencido o corpo.

Uma série americana chamada Suits me fez um enorme favor e representou em detalhes os meus ataques de pânico. O personagem principal, o poderoso advogado Harvey Specter, no início de uma das temporadas, sofre uma crise de ansiedade, passa a dormir mal, tem pesadelos recorrentes e episódios de pânico que o fazem ficar tonto, enjoado e vomitar. Me vi ali, em detalhes, até as broncas da terapeuta eram as mesmas. Sim, até o mais poderoso dos advogados pode ter transtorno de ansiedade. Ficou mais fácil explicar o que eu tive e entender que o problema era, e é, uma questão de saúde pública, não só meu.

Aprendi uma metáfora bastante elucidativa com um dos grandes profissionais que conheci, exemplifica perfeitamente o que é a ansiedade. Ela não é vilã, pelo contrário, ela nos é útil, nos deixa alerta, com sistema sensorial mais apurado. Veja a cena: noite, escuro, um beco, você está sozinho e vem dois homens com facas; sua ansiedade é bastante necessária, perigo iminente. Mas precisa estar funcionando bem. Pense no alarme de um carro, ele é feito para disparar em situações adversas, de risco, mas se passa a disparar quando um passarinho canta, está claramente desregulado.  Eis o transtorno, a ansiedade fora de controle.

Muito mais que entender tudo isso é admitir que assim como não há osso que não quebre a uma determinada tensão, também não há mente que não rache a determinados níveis de stress. Mas aprendemos a ignorar os sinais do corpo, eu aprendi pelo menos, porque eu precisava ser invencível, não importasse a adversidade. Abri o peito para tudo, sem muita defesa, até punção para checar um tumor na mama eu fui fazer sozinha, afinal o problema era meu, eu tinha que resolver, mais ninguém precisava ser envolvido. E fui assim a vida toda, carreguei todas as minhas pedras e cruzes sem pedir apoio, mesmo que o suporte estivesse pronto pra mim.

Com ego destroçado e moral no chão eu me fechei em um micromundo e quando uma semana depois eu finalmente recebi alta eu não tinha certeza se queria ver o mundo, se queria voltar à realidade. Ali, paralisada de medo naquele corredor, pensando que nunca mais eu iria me recuperar, nunca mais seria forte de novo. Me vi com cinco quilos a menos, alguns hematomas de veias estouradas e aboluto pavor de dormir. De lá direto pro consultório da psicológa, admiti que sozinha seria impossóvel.

Venci meus preconceitose encarei a sala de espera de um psiquiatra, mal sabia o quanto eu ia aprender naquela sala. Precisei aceitar quando ele disse que eu precisaria de remédios. Admitir que logo eu, que nem alcool bebo, ia precisar de drogas para dormir e para acordar. Mas a hora de dormir tinha virado um pesadelo, era disparada a pior hora do dia, a condição me fez aceitar. E com toda a calma que lhe foi peculiar, ele me explicou que era um perfil que precisava de alterações, minha força ainda estava no mesmo lugar, por mais que eu duvidasse bastante.

Nunca soube ser meio, sempre fui pro enfrentamento, tudo ou nada em todas as situações. Nunca fui boa em confiar nas pessoas, não confiar me protegia, ou essa era a minha lógica. A verdade é que tentei responder por mim e pelos outros o tempo todo, me decepcionei incontadas as vezes e ignorei todas elas. Errar nunca me foi permitido, eu nunca aceitei. A necessidade de controle e de informação se tornaram profissão, prever variáveis, planejar. Construí um muro bastante alto ao meu redor, fiz uma fortaleza em mim, até que ela foi ruindo, porque ser ilha é uma ilusão. E ninguém quer falar que quebrou, ninguém quer ser vulnerável, eu não queria.

Dedici retomar o meu controle, olhar pra dentro em vez de culpar o Universo. Reconheci minhas falhas, fui eu que me coloquei naquele hospital. Parei de fugir, vivi meus conflitos, encarei meus demônios, magoeei algumas pessoas pelo caminho, mas era uma trajetória que eu precisava atravessar. Recebi muito conforto, nem sabia que tanta gente se importava comigo e essa parte é algo que não se esquece, cada mensagem, cada ligação, cada visita. Lembro em detalhes do dia que consegui voltar ao trabalho e a crise de choro na entrada do prédio, um misto de alívio e pavor.


Ironia ou não, de tanto querer controlar tudo, eu perdi o controle. De tanto me forçar a ser sozinha, precisei de um monte de gente. Eu deixei a água da ansiedade subir, mas também fui eu quem fez ela descer. Tive uma rede de excelentes profissionais ao meu redor. A proteção que eu achava tão capaz de me prover veio de fora. Me achei de volta no meu mundo, reconstruí meu mundo. Um ano e meio depois, já livre dos remédios, com alta, entendo o quanto o processo foi doloroso, é verdade, mas absolutamente necessário. Fiz as pazes com a coragem, achei força pra não mais submergir. Me despi de muito preconceitos, me livrei de peso que eu carregava sem precisar. Me fiz leve. Um dia eu desafoguei. 

terça-feira, 27 de junho de 2017

Nasci sozinha

Nasci sozinha, logo preciso me virar sozinha. Essa sempre foi a minha lógica, um pragmatismo maior que eu. Esperar de forma alguma, sou fazedora, aguardar é ser passivo e paciente e paciência eu vim até sem pra essa vida. Chorar vai resolver? Não. Gritar vai resolver? Não. Então, para, respira, se movimente e por favor não choraminga.
Nasci filha única, em uma família que a independência é muito importante. Da minha mãe eu ouvi a vida inteira "case primeiro com o seu trabalho". Meu pai sempre deixou muito claro que a preocupação era com a minha educação. Casamento e firulas nunca foram temas recorrentes. O médio nunca foi tolerado. Minha dose de mimo de única criança veio do meu avô, esse sim fazia um bocado das minhas vontades, mas lá em casa o bicho pegava. 
Democracia nunca foi bem o regime da casa, apesar de pedagoga, minha mãe preferia Pinochet a Piaget. O que não me impedia desde muito cedo demonstrar minha personalidade turrona, respondona e briguenta. Mas ela contornava, dava a última palavra, "adoro ser chata", e fim. Até hoje não tenho nenhum problema em lidar com conflito, a arte da argumentação eu aprendi foi no berço.
Meu pai gritou comigo uma vez só, mas lembro sem saudade e sei muito bem quem foi a culpada. Os meus olhares tortos vem desse lado do DNA, bastante fácil reconhecer os descontentamentos dele. As perguntas respondidas me mandando procurar no jornal ou achar o dicionário me irritavam profundamente, mas me fizeram bastante diferença na faculdade.
Fui criada pra ser aquela mulher que "homem nenhum quer", como diziam os textos de revistas para moças. Não tem nada que eu não seja capaz de resolver sozinha, trabalho muito e gosto da minha rotina maluca, não sei depender. Sei mais palavrões que um estivador e os acho absolutamente libertadores e insubstituíveis. Não me sinto obrigada a manter a carinha de feliz em canto algum, muito menos de estar sempre acompanhada. Não sou para amarras. 
Mas aprendi, a duras penas, que não é porque posso fazer tudo sozinha que preciso ser um o tempo todo. Que pedir ajuda não é sinônimo de fraqueza. Que liderança é inata, mas não precisa ser onipresente. Nunca soube bem demonstrar que não queria ser um, a contar pelos meus incontados fracassos amorosos, quando algumas vezes eu me arrebentei de sofrer e anos depois escutei "mas você nunca me deixou chegar, eu não fazia ideia".

Entendi melhor sobre empatia, isso só se aprende vivendo, não tem livro que explique. Descobri há muito pouco tempo que vulnerabilidade não é exatamente nocivo. Nunca vou ser a mulherzinha, o estereótipo, nasci sozinha e até gosto bastante da minha individualidade, de ser vento. Mas só agora talvez eu saiba parar, respirar, me movimentar, e me deixar choramingar também, agora é permitido. Posso ser um em dois, em três ou com uma porção de gente, percebi que o caminho pode ser mais simples. Por favor, choramingue.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

É preciso coragem

Nessa minha vida de leituras aleatórias eu tenho reparado em como escrevemos mais com um coração partido, pelo menos eu escrevo mais, e a contar pelo comportamentos de alguns outros autores acho que posso afirmar minha impressão. É como se a dor pudesse ser amenizada ao transportar para o papel o que não cabe em si. No meio do sofrimento, quando parece que a água da ansiedade só sobe e brevemente vai nos afogar, quando tudo perde proporção e sentido, escrevemos. Mas é aí que reavaliamos, repensamos comportamentos, que sentimos o bichinho da mudança. Mas pouco conversamos sobre recomeços, porque mesmo com toda poética e infinitas possibilidades, reiniciar é absolutamente assustador.

Muitissimo mais fácil se manter no conforto de um lugar-comum, mesmo que aos pedaços e meio falido, porque colocar o pé pra fora e se jogar no novo, sem saber muito bem o que esperar, empurrar a porta é para os que tem muita coragem. Acho que todo mundo já enfrentou um tempinho a mais em uma relação fracassada por medo da solidão, ou até pelo menos estar pronto para encarar um salão sozinho de novo.

Eu já coloquei pontos finais algumas vezes, em outras colocaram o final por mim. Algumas histórias eu insistia em não querer terminar. Sempre fui de ficar, permanecer até que a última chance escorresse, porque aí eu ia embora de vez, mas ia com certeza de que pelo menos a minha parte eu tinha cumprido. Um jogo bastante sofrido, confesso, mas é o ônus da minha passionalidade.

Agora nesse negócio de recomeçar sempre engatinhei, levo muito tempo me livrando do antigo, criando novos espaços e me desfazendo da toda a tralha emocional. Passo por um imenso ritual e viro uma criatura bastante medrosa, gato escaldado com medo até de água fria mesmo, dessas que prefere não se arriscar e vai minando possibilidades porque a lembrança da ferida ainda é latente. Nenhum problema com o tempo, se não fosse perder um bocado de gente bacana estacionada no que passou.

Sempre morri de inveja do pessoal que tem um amor da vida por semana, que se apaixona perdidamente com duas trocas de olhares, faz juras de amor infinito, aí não da certo, termina, se acaba em lágrimas, diz que vai morrer e semana que vem se apaixona de novo. É muita coragem. Eu levo uma eternidade pra me apaixonar e acho que duas pra desapaixonar. Também invejo o pessoal que abandona carreira e muda tudo porque resolve que quer fazer outra coisa, viver em outra cidade, país ou sei lá virar monge. Invejo o desapego.


É preciso ousadia pra bater a porta sem olhar pra trás, mas é preciso ainda mais pra não voltar e abri-la, porque na hora da dúvida essa vontade de correr pro conhecido chega, as vezes chega forte. E vem o tempo para procurar novas portas por aí,  de saber a hora de pedir ajuda, de engolir o orgulho, de aprender a ouvir e mais que tudo se permitir mudar. Perdemos muito tempo sendo deterministas, eu perdi muito tempo assim, levando opiniões a ferro e fogo, me cobrando coerência e me engessando. A maturidade (e a terapia) me trouxe muito mais flexibilidade, somos muito menos caretas aos 30 que aos 20, como li outro dia. E sobre a solidão, eu sempre gostei muito da minha companhia, mas descobri que não preciso ser só um o tempo todo. Coragem mesmo é saber recomeçar, ando me encontrando com a minha, talvez até dando uns passinhos. Reiniciar é assustador, mas tem lá sua diversão também.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Que sejam direitos, não sonhos

Exposição no Canal do Panamá, 2016
O 8 de março é celebrado oficialmente como Dia Internacional da Mulher desde 1921, mas apenas em 1945 a Organização das Nações Unidas assinou o primeiro acordo internacional que afirmava princípios de igualdade entre homens e mulheres e só em 1977 a data foi reconhecida pela entidade. As lutas femininas são anteriores a ambas as datas, os primeiros grandes protestos são ainda do século XIX em meio às péssimas condições de trabalho pós-revolução industrial.

A luta por igualdade de direitos não é nenhuma novidade no cenário mundial. O Banco do Brasil tem em sua agenda a equidade de gênero, segundo matéria veiculada na agência de notícias apenas 11,7% das funções consideradas de comando (presidente, vice-presidentes, diretores, gerentes executivos e superintendentes estaduais e regionais) são ocupadas por mulheres. Segundo dados da Febraban, é o menor percentual entre os maiores bancos brasileiros. E o reconhecimento desta desigualdade é o primeiro passo para mudá-la.”

A importância desse reconhecimento da empresa já era explicada pela autora francesa, e conhecida feminista, Simone de Beauvoir: “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separa do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta”.  O filosofo Mario Sérgio Cortella explica que feminismo não é o contrário do machismo, diferente ele não pressupõe que mulheres são superiores, mas sim que são iguais.

É preciso falar de feminismo, discutir aquilo que incomoda, a demonização do movimento não contribue com a inclusão de importantes pautas na agenda pública. O mundo vem entendendo aos poucos. O prêmio Nobel de literatura de 2015 foi dado a escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Alexiévitch, de 67 anos, ela foi a 14ª mulher a vencer o prêmio em 114 anos. Uma das raras autoras de não ficção premiadas com o Nobel, escolhida por dar voz às mulheres soviéticas que lutaram na Grande Guerra.

O 8 de março deve ser visto como momento de mobilização para a conquista de direitos e para discutir as discriminações e violências morais, físicas e sexuais ainda sofridas pelas mulheres, impedindo que retrocessos ameacem o que já foi alcançado em diversos países. O Brasil registrou, nos dez primeiros meses do ano passado, 63.090 denúncias de violência contra a mulher - o que corresponde a um relato a cada 7 minutos no país. Segundo o último mapa da violência contra a mulher, foram contabilizados 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres, número que coloca o Brasil no 5º lugar no ranking de países nesse tipo de crime. Entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano.

Há muitos avanços a serem comemorados, mas ainda há muito que prosseguir. Nunca consegui explicar a um homem a enorme diferença entre cantada e assédio ou o que é temer que o corpo seja violado. Ficar apreensiva ao passar por um grupo masculino ou a absoluta indignação quando a justificativa é o instinto masculino ou os trajes “convidativos” femininos. Quem não controla instinto é bicho, fim da discussão. Por mais que articule bem as palavras, algumas questões são absolutamente sensitivas, não há como descrever, nem por isso devem perder legitimidade.

Nesse Dia Internacional da Mulher, entendo o quão gosto da mulher que me tornei, por ter consiguido percorrer todo o árduo caminho com a cabeça erguida, agradeço minhas matriarcas, por vir de uma família com mulheres fortes há muitas gerações. Honro todas as que vieram antes de mim, em suas lutas diárias, por toda coragem, por determinação, pelas conquistas. E me apego a esperança, para que nossas meninas não mais precisem discutir equidade, que liberdade, educação, trabalho e dignidade sejam direitos, não sonhos.

“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância.” 
(Simone de Beauvoir)

Feliz Dia Internacional da Mulher!!!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

...Os lembrados esmaecem limites...

A história pode ser definida como “um corpo de fatos verificados” (E.H Carr). Ela é ainda necessariamente escrita a partir de posições do presente, cada geração tem sua própria visão do processo histórico, por isso frequentemente a reconstruímos, lançamos novos olhares, revisitamos bibliografias e documentos. Esse constante trabalho historiográfico constrói a identidade coletiva e ela pode ter a memória como elemento essencial, com toda liberdade e possibilidades criativas que lhe são peculiares. A memória carrega consigo a narrativa, o esforço em fazer surgir o que estava imerso. É subjetiva, parcial, traz cheiros, sabores, imagens, perpassa o material. “Os acontecimentos vividos carregam consigo a finitude, ao passo que os acontecimentos lembrados esmaecem limites” (W. Benjamim)


E num emaranhado de memórias relembradas no auditório da escola eu conheci meu pai menino. Não o homem grande, forte e sério que me acostumei ao longo dos meus 30 anos, mas um garoto, que em meio às paredes do Colégio Batista Daniel de La Touche voltou a ser a criança de anos antes. O portão verde, o muro alto, a quadra que virou ginásio, o prédio que ganhou mais um andar, as grades que não existiam. Assim, ele, 35 alunos e sete professores me contaram suas lembranças. Meu pai me deixou entrar na memória dele, em suas saudosas e carinhosas recordações. O orgulho da escola, dos amigos e de tudo que recebera ali fez com que ele me levasse numa viagem de 2 mil km e por uns 50 anos de história, ou mais, talvez.
Ao vê-lo entrar pelo portão, assisti um sorriso infantil, de tantos que reconheço nele, um que nunca tinha visto. Ao rever os amigos a euforia foi coletiva, eram jovens de novo. Invertemos o papel, a duras penas consegui algum resquício de ordem em meio à erupção de sentimentos. Bagunçaram, falaram alto, contaram piadas e histórias. 40 anos depois o professor de genética descobriria enfim quem lhe dera o apelido.O carinho do gentil professor de educação física que se emocionou e agradeceu em ter uma sala recheada de pessoas que ele ensinou, que era o maior presente que poderia receber. No auge de seus 87 anos, o diretor que lembrou o papel educacional da família e da escola e estampou o orgulho em olhar para a turma de 1976. Uma turma especial, que formou, na fala de seus tutores, mais que grandes profissionais, grandes homens e mulheres.
Naqueles discursos eu me emocionei, estudei a muitos km de distancia, mas ali eu assisti uma parte da minha história, eu vi quem formou o meu pai. Em um discurso inflamado e tomado de paixão, o agora procurador, na época o jogador orgulhoso do time campeão de futsal Zé Cláudio, falou do respeito aos professores, valores, das amizades, emprestando-se de grandes escritores brasileiros emocionou e lembrou com uma ponta de tristeza dos amigos que partiram cedo demais, ali dissemos “presente”.
Meu pai faz parte dos que se distanciaram geograficamente, mas provo que a memória e o coração ficaram em São Luiz. Ouvi sobre o basquete, sobre as puladas de muro, as descidas a secretaria, até os picolés. Até o hino do Batista eu conheci, em encontros etílicos dos maranhenses, até choravam, saudade do estado querido e um pouco do efeito do álcool também. Alguns nomes fizeram parte da minha infância. Pude dar rostos ainda menina, outros só no encontro. Ouvi do amigo que se ele tivesse que escolher uma só pessoa do grupo, a melhor pessoa, ele escolheria o meu pai. “Seu pai foi meu primeiro amigo no Batista, ele me acolheu, sempre foi assim, eduicado e corretíssimo, me emociono ao falar dele”. Os olhos dele encheram de lágrimas, os meus também, e não pude dizer que o nome dele sempre me foi falado com muito carinho, desde criança ouvi o nome Elias Haichel por aqui.
E veio o acaso ao descobrir que memórias e caminhos entrelaçados chegaram aos bancos da Universidade de Brasília, e me colocam na mesma disciplina do filho da Ana Lília, a amiga de escola do meu pai. Assim, revisitei eu as memórias, revisei as teorias, busquei o arcabouço teórico historiográfico para escrever a importância da memória, a deles, da turma de 1976 e da minha. Meu pai me ensinou a importância da educação, foi no Colégio Batista que aprendeu sobre o valor do conhecimento e se tornou a pessoa mais íntegra e ética que conheço. Me senti honrada, e orgulhosa, em poder descobrir meu pai menino.
Acontecimentos são espumas, o que interessa ao fim são as mudanças culturais geradas a partir deles, a história se constrói muito além de fatos. Parabéns e obrigada turma de 1976, são muito mais que 40 anos de história, os senhores esmaeceram os limites.