quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Participações impróprias

Nunca fui muito fã de espaço para comentários nas notícias. Li inúmeros artigos sobre participação do leitor, sobre como o futuro do jornalismo depende da interação, mas insisto em pensar que o público ainda não está pronto para tal, exemplo claro de tal afirmação é a enxurrada de erros ortográficos e cretinices disparadas pelo facebook. Como boa criatura curiosa me dou por vezes o trabalho de ler comentários, geralmente os do portal G1, que é um site jornalístico grande e confesso que ainda me sinto horrorizada com o que leio, principalmente ao lembrar que os comentários são moderados.

Essa semana li sobre o assassinato de um turista no litoral de São Paulo por uma menor de 14 anos, o crime foi um latrocínio, roubo seguido de morte, o espanto em torno da crueldade da menor é notável, mas os comentários enveredavam para uma crueldade talvez pior do que a da menina. Comentava-se sobre pena de morte, sobre diminuição da idade penal, direitos humanos, estatuto da criança e do adolescente e pasme sobre invasão nordestina,  castração química, esterilização,  e a usura dos recursos paulistas. Um dos comentários sugeria colocar “anticoncepcional na água” para evitar a concepção em jovens pobres.

Se existe algum tipo de dúvida sobre a existência de preconceito seja ele racial, social, econômico e até regional é facilmente resolvível, é só se dar ao trabalho de ler algum tipo de fórum que expresse discussões rasas, infundadas e com esse sentimento de revanchismo que comanda a sociedade. É a ideia do levar vantagem, de pagar na mesma moeda, que por horas beiram uma espécie de xenofobia, em que parte da população se acha prejudicada pela existência dos mendigos, das políticas afirmativas, dos movimentos migratórios, resultado de análises precárias e absoluta ignorância.

Quando falo em ignorância o faço com a certeza de não haver termo melhor, porque os que falaram sobre os nordestinos que “sugam” os recursos paulistas esqueceram de ler a pesquisa do IBGE que diz que a produção industrial paulista declinou no último ano enquanto que a nordestina foi destaque na formação do PIB nacional. Também não leu a pesquisa sobre migração que indicou uma taxa elevada de emigrantes no estado paulista e não o contrário. Quem fala em controle de natalidade com castração química devia ir preso e ser castrado.

A falta de proporção nas ameaças disparadas contra a menina beira o irracional. Não sou nenhuma grande defensora dos direitos humanos, mas avalio contextos, falta de educação, estrutura familiar e perspectivas de futuro causam problemas. Com 14 anos, a adolescente tem sim juízo do que estava fazendo, não é de forma alguma inocente, mas a noção de certo e errado foi adquirida na rua, os valores foram formados sem a devida orientação. Diminuir a idade penal e inchar os presídios é solução? Nosso sistema prisional é caótico, não comporta nem o que tem. Instaurar a pena de morte resolveria? Se matar gente fosse solução, a Alemanha seria potencia mundial hoje, as ditaduras seriam regimes fantásticos de governo. 

No caso, aparece a figura de um homem que vê o carro e convoca a menor, o aliciador, reflexo da falta de escrúpulos que chegamos, quando crianças são armas dessas mentes criminosas e hábeis.  É um soco na cara do país que não é capaz de educar suas crianças e as deixa sujeitas a esse tipo de situação. Enquanto se acreditar que para quem não tem nada qualquer ajuda é suficiente e que resignação é um sentimento infinito assistiremos casos assim. Nunca fui muito fã de espaço para comentários nas notícias, mas de vez em quando rendem boas discussões.