sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Sobre vovós e eu...

Eu nunca tive uma avó daquele tipo “Dona Benta”, que usa óculos redondos, faz tricô e excelentes quitutes. A minha avó paterna se um dia soube cozinhar esqueceu faz tempo como se faz e a outra, bem ela dizia que já tinha cozinhado a vida inteira, se quiséssemos comer que fossemos fazer algo, sempre achei justo.

A vovó paterna é uma pessoa complicada, diria complexada talvez. Uma daquelas mulheres que abdicou a vida em função de marido e filhos. Ela me faz pensar se tinha desejos e sonhos que acabou deixando para trás, em que ponto ela decidiu – se é que teve opção – viver a vida do cônjuge ou ainda se ela tivesse a chance de voltar, o que mudaria?

Ao mesmo tempo forte e frágil. Meus pedidos de neta sempre foram atendidos, os dos seis filhos também. Filha de retirante com pai desconhecido, vítima de preconceito desde a infância. Um só irmão, travesti, faleceu de AIDS. Nunca tive contato com essa parte da família, acho que ela nunca fez questão de manter o contato com a história dela. Nela, vejo ainda uma inversão de valores, de alguém que não teve nada e hoje se apega aos bens materiais, alguém que presta atenção na vida alheia porque já foi vítima dos olhares maldosos dos “vizinhos”.

A vovó materna é dos meus exemplos de vida. Nada, absolutamente nada, abalava seu bom humor, nem mesmo quando ela teve que retirar 20 cm do intestino ou quando acordou de outra cirurgia e recebeu a notícia de que em função da gravidade do câncer, seus dois seios tiveram de ser retirados. “Não usava para nada mesmo, joga pro gato”, foi a frase dela para o médico. Na operação do intestino era tempo de Copa do Mundo, ela mandou pendurar uma bandeira do Brasil na porta do quarto e convidava os enfermeiros para assistir os jogos com ela.

No centro de Macapá não havia quem não conhecesse a “Tia Zinha”, a “Dona Zinha”, a “Velhinha” e mais um monte de apelidos. Eu mesmo conhecia por “vovó Maria”, minha e de mais 14, mãe de seis. Filha de português com cearense, nunca teve muito dinheiro. Trabalhou a vida inteira, foi telefonista daquele tempo que tinha que ficar trocando cabos. Casou muito nova com um jovem subversivo, largou a família, mudou de cidade, ficou viúva dez anos depois, casou-se de novo com o irmão conservador do subversivo e divorciou-se.

Minha vovó fumava e gostava de uma cervejinha de vez em quando, mas parou com os dois quando veio a primeira cirurgia. Ela virava a noite jogando buraco e domingo era dia do dominó. Desbocada como só ela, brincava com todo mundo, na verdade acho que ela mais crianças que a gente as vezes. “Não liga minha filha, sua mãe sempre foi rabugenta, parece mais velha que eu”, era o que ela me dizia quando minha mãe brigava comigo.

Vovó me ensinou que todo mundo é igual e merece o mesmo tratamento, seja lá qual posição social ocupe. Faleceu ano passado, com 80 anos. Diz minha mãe que o problema dela foi ter se aposentado, ela era ativa demais para ficar em casa vendo a vida passar.

Nunca tive vovós “Dona Benta”, mas tive dois exemplos bem melhores.

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