terça-feira, 27 de junho de 2017

Nasci sozinha

Nasci sozinha, logo preciso me virar sozinha. Essa sempre foi a minha lógica, um pragmatismo maior que eu. Esperar de forma alguma, sou fazedora, aguardar é ser passivo e paciente e paciência eu vim até sem pra essa vida. Chorar vai resolver? Não. Gritar vai resolver? Não. Então, para, respira, se movimente e por favor não choraminga.
Nasci filha única, em uma família que a independência é muito importante. Da minha mãe eu ouvi a vida inteira "case primeiro com o seu trabalho". Meu pai sempre deixou muito claro que a preocupação era com a minha educação. Casamento e firulas nunca foram temas recorrentes. O médio nunca foi tolerado. Minha dose de mimo de única criança veio do meu avô, esse sim fazia um bocado das minhas vontades, mas lá em casa o bicho pegava. 
Democracia nunca foi bem o regime da casa, apesar de pedagoga, minha mãe preferia Pinochet a Piaget. O que não me impedia desde muito cedo demonstrar minha personalidade turrona, respondona e briguenta. Mas ela contornava, dava a última palavra, "adoro ser chata", e fim. Até hoje não tenho nenhum problema em lidar com conflito, a arte da argumentação eu aprendi foi no berço.
Meu pai gritou comigo uma vez só, mas lembro sem saudade e sei muito bem quem foi a culpada. Os meus olhares tortos vem desse lado do DNA, bastante fácil reconhecer os descontentamentos dele. As perguntas respondidas me mandando procurar no jornal ou achar o dicionário me irritavam profundamente, mas me fizeram bastante diferença na faculdade.
Fui criada pra ser aquela mulher que "homem nenhum quer", como diziam os textos de revistas para moças. Não tem nada que eu não seja capaz de resolver sozinha, trabalho muito e gosto da minha rotina maluca, não sei depender. Sei mais palavrões que um estivador e os acho absolutamente libertadores e insubstituíveis. Não me sinto obrigada a manter a carinha de feliz em canto algum, muito menos de estar sempre acompanhada. Não sou para amarras. 
Mas aprendi, a duras penas, que não é porque posso fazer tudo sozinha que preciso ser um o tempo todo. Que pedir ajuda não é sinônimo de fraqueza. Que liderança é inata, mas não precisa ser onipresente. Nunca soube bem demonstrar que não queria ser um, a contar pelos meus incontados fracassos amorosos, quando algumas vezes eu me arrebentei de sofrer e anos depois escutei "mas você nunca me deixou chegar, eu não fazia ideia".

Entendi melhor sobre empatia, isso só se aprende vivendo, não tem livro que explique. Descobri há muito pouco tempo que vulnerabilidade não é exatamente nocivo. Nunca vou ser a mulherzinha, o estereótipo, nasci sozinha e até gosto bastante da minha individualidade, de ser vento. Mas só agora talvez eu saiba parar, respirar, me movimentar, e me deixar choramingar também, agora é permitido. Posso ser um em dois, em três ou com uma porção de gente, percebi que o caminho pode ser mais simples. Por favor, choramingue.

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