domingo, 26 de setembro de 2010

“Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho...”

Existem dons inexplicáveis, que vem sem avisar, sem pedir autorização e ocupam todo o espaço. Pessoas que simplesmente nascem predestinadas , não importa o tempo, a dificuldade, o preconceito, elas apenas seguem. Assim, o samba tem sua dama, Dona Ivone Lara preenche o palco como quem valsa, com elegância, retrato de uma mulher que pensou à frente de seu tempo e que cumpre seu destino.

“Um sorriso negro, um abraço negro, traz felicidade”
No auge dos seus quase 90 anos, Dona Ivone encantou o público que foi ao Teatro Nacional. Caminhando com dificuldade e ajuda do neto foi recebida por aplausos de uma platéia de pé. Ao lado do parceiro de composição há 35 anos, a cantora mostrou toda potência vocal e brincou como clima árido da cidade. “Me desculpem a voz rouca, mas aqui está difícil”. Cantou sentada em um lugar que parecia ser só dela, ninguém mais estaria tão à vontade ali.

“Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho”
Dona Ivone nasceu em meio a sambistas e chorões. Aprendeu cavaquinho ainda menina, em um tempo que mulher no samba era algo inimaginável. Foi enfermeira e assistente social e só depois da aposentadoria lançou seu primeiro disco. Lançado em 1970 pela gravadora Copacabana, o Samba 70 marcava o inicio da carreira profissional.

“Já no amanhecer do dia, a suntuosidade me acenava e alegremente sorria. Algo acontecia, era o fim da monarquia”
Foi a primeira mulher a compor um samba enredo. Em 1978, “Sonho Meu" levou o prêmio de melhor música do ano, na voz de Gal Costa e Maria Betânia. De lá para cá são inúmeras as canções que se fazem presentes em todas as rodas de samba. São mais de 300 composições gravadas pelos mais diversos nomes da música brasileira.

“Olha como a flor se acende quando o dia amanhece. Minha alma se esconde, esperança aparece”
Dona Ivone contou um pedacinho de sua história. “Eu tinha um primo que me ouvia, e dizia que ia levar meus sambas pra escola, eu dizia que sim, depois ele sinicamente dizia que era dele. Não me incomodava, era como as pessoas conheciam algo feito por mim”, confessou a cantora. O primo era Mestre Fuleiro, a escola era Prazer da Serrinha, que depois se tornaria G.R.E.S Império Serrano.

“Mas quem disse que eu te esqueço, mas quem disse que eu mereço?”
Quem assistiu a elegância da senhora que nasceu para a música. As músicas que falam sobre aquilo que sentimos, mas não sabemos colocar no papel. Ao fim do show, passo lentos para sair do palco e ela fala. “To velha mesmo, ta ruim aqui” . E alguém grita “maravilhosa” e não há palavra melhor para defini-la. E a platéia segue. “Acreditar? Eu não. Recomeçar? Jamais. A vida foi em frente e você simplesmente não viu que ficou pra trás....”

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