Nos
tempos de faculdade, a gente costumava brincar que o mais longe que iríamos na
historiografia era na Europa oriental, com um pouco de esforço umas matérias
perdidas de China e Japão. E foi isso mesmo, estudamos muito pouco sobre a
história africana e asiática. Chegar em Bangkok pra mim foi ter a certeza que a
história é muito mais complexa do que os manuais nos contam.
Minha
cabeça de historiadora funciona em frequência diferente de um turista “normal”,
quando olho a cidade penso em geografia social, em economia, em formação,
organização, a cidade precisa fazer sentido pra mim, me revelar o porquê de sua
estrutura. Minha historiografia ocidental conseguiu me explicar Bangkok em
parte, mas faltou muito.
Bangkok
é hoje uma das maiores regiões metropolitanas do mundo. Sua área em cem anos
cresceu mais de 2000%, a população em 50 anos saiu de 3 para quase 15 milhões
de pessoas. Recebe por ano 10 milhões de turistas e é o principal expoente
econômico do sudeste asiático. Tudo isso explica o crescimento desordenado, o
trânsito caótico e uma cidade que convive com as tradições de sua criação em
meados do século XV e a forte influência do capital ocidental.
Chegar
em Bangkok depois de passear pelas ilhas do golfo da Tailândia foi apaziguador
pra mim, confesso que gosto de concreto, quando aparente me sinto mais em casa
ainda. No Uber, a caminho do hotel, foi fácil perceber sinais claros de
conurbação urbana. O sistema público de transportes ainda é novo e tenta
resolver o problema do tráfego intenso. A qualidade do hotel foi uma grata
surpresa, com direito a upgrade para o “lady’s floor”.
Nada
que você acha que já conhece é igual em Bangkok, até a fila do metrô, aqui há
muita organização em meio ao caos. Primeiro dia foi se perder em Chinatown, a
sensação é de Saara no Natal, mas com umas comidas esquisitas pelo caminho.
Tudo
em Bangkok é muito, é uma cidade que vive em extremos, demonstra sua
religiosidade em templos grandiosos e sua economia em enormes arranha-céus. Eu
fui ao rooftop do “Se beber não case II”, mais alto restaurante a céu aberto do
mundo. Uma puta experiência, belíssimo, mas o jantar mais caro da minha vida
também, caro mesmo.
Confesso
que sou incapaz de discorrer sobre o budismo, hinduísmo, o sincretismo dessas
religiões e o tamanho da importância delas nessa cidade. A beleza dos templos é
indescritível, assim como o respeito dos tailandeses e turistas que os visitam.
O Buda reclinado é de tirar o fôlego, maior que a estátua do Cristo Redentor.
Wat Pho reserva também a primeira e mais tradicional escola de massagem
tailandesa, muito de medicina, ciência, e alma (há um sagrado na massagem),
junto ainda ao conhecimento das ervas orientais.
Não
consegui visitar o imponente Grand Palace, mas tive a sorte de observar um
evento muito mais interessante. O país vivia um luto de um ano, em outubro de
2016 o rei Rama IX faleceu aos 88 anos. Considerado um pai pelos tailandeses,
ele foi o governante mais longínquo da história, foram 70 anos de reinado.
Pelas ruas pessoas de preto, altares com homenagens em todos os lugares e a
sensação de estar em um velório infinito. Difícil entender essa fé em um
governante quando vivemos uma crise ideológica no Brasil. Por aqui Estado e
sagrado se misturam e a fé das pessoas foi algo fantástico de se assistir, se
assemelhava ao luto da perda de um familiar. Milhares de pessoas vieram de fora
de Bangkok e acamparam por dias nas ruas da capital para assistir um funeral
que durou cinco dias, custou certa de 90 milhões de dólares, com uma grandiosa
cerimônia de cremação com mais de três horas de duração.
Como
tudo é imenso, a cidade ofere um complexo de shoppings gigantesco, todas as
grandes marcas estão aqui e reunidas em prédios magnânimos. Quando você acha
que nada mais vai te impressionar conhece a maluquice da Khaosan Road, rua
queridinha dos mochileiros, mas que pra mim perde pra Lapa em sexta-feira
lotada. E passa pelo “red light distrit” daqui, a abordagem é direta e efusiva,
assim como a concorrência, uma boate do lado da outra, mas organizado, as moças
usam até crachá de identificação. Bastante óbvio que o turismo sexual é amplo
em Bangkok. Ainda deu tempo de passear por um incrível e barato Night Market e
escutar “Gustavo Lima e você” no meio da feira. Valeu Brasil!
Definitivamente
a capital tailandesa foi a cidade mais desafiadora que conheci, em sua
complexidade, em uma história muito recente, porém com uma sequência de
reviravoltas. A metrópole mistura moderno e antigo, bairros nobres e extensa
pobreza, organização e absoluto caos. Visitar a cidade foi ir muito além da
historiografia dos bancos da faculdade. Obrigada Bangkok!
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