quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Diário de Bordo Ásia - cap III

Nos tempos de faculdade, a gente costumava brincar que o mais longe que iríamos na historiografia era na Europa oriental, com um pouco de esforço umas matérias perdidas de China e Japão. E foi isso mesmo, estudamos muito pouco sobre a história africana e asiática. Chegar em Bangkok pra mim foi ter a certeza que a história é muito mais complexa do que os manuais nos contam. 

Minha cabeça de historiadora funciona em frequência diferente de um turista “normal”, quando olho a cidade penso em geografia social, em economia, em formação, organização, a cidade precisa fazer sentido pra mim, me revelar o porquê de sua estrutura. Minha historiografia ocidental conseguiu me explicar Bangkok em parte, mas faltou muito.

Bangkok é hoje uma das maiores regiões metropolitanas do mundo. Sua área em cem anos cresceu mais de 2000%, a população em 50 anos saiu de 3 para quase 15 milhões de pessoas. Recebe por ano 10 milhões de turistas e é o principal expoente econômico do sudeste asiático. Tudo isso explica o crescimento desordenado, o trânsito caótico e uma cidade que convive com as tradições de sua criação em meados do século XV e a forte influência do capital ocidental. 
 
Chegar em Bangkok depois de passear pelas ilhas do golfo da Tailândia foi apaziguador pra mim, confesso que gosto de concreto, quando aparente me sinto mais em casa ainda. No Uber, a caminho do hotel, foi fácil perceber sinais claros de conurbação urbana. O sistema público de transportes ainda é novo e tenta resolver o problema do tráfego intenso. A qualidade do hotel foi uma grata surpresa, com direito a upgrade para o “lady’s floor”.

Nada que você acha que já conhece é igual em Bangkok, até a fila do metrô, aqui há muita organização em meio ao caos. Primeiro dia foi se perder em Chinatown, a sensação é de Saara no Natal, mas com umas comidas esquisitas pelo caminho.


Tudo em Bangkok é muito, é uma cidade que vive em extremos, demonstra sua religiosidade em templos grandiosos e sua economia em enormes arranha-céus. Eu fui ao rooftop do “Se beber não case II”, mais alto restaurante a céu aberto do mundo. Uma puta experiência, belíssimo, mas o jantar mais caro da minha vida também, caro mesmo. 

Bangkok foi conhecida como a Veneza oriental por seus canais, por sua origem absolutamente comercial, que mostra efeitos fortes até hoje. Atualmente muitos desses canais foram fechados em função da rede viária, mas ainda é possível se locomover de barco no meio da água marrom e segurança naval questionável. Passa-se ainda por lojinhas alagadas, sim, sempre alagadas e sobre tábuas de madeira, e está tudo bem.

Confesso que sou incapaz de discorrer sobre o budismo, hinduísmo, o sincretismo dessas religiões e o tamanho da importância delas nessa cidade. A beleza dos templos é indescritível, assim como o respeito dos tailandeses e turistas que os visitam. O Buda reclinado é de tirar o fôlego, maior que a estátua do Cristo Redentor. Wat Pho reserva também a primeira e mais tradicional escola de massagem tailandesa, muito de medicina, ciência, e alma (há um sagrado na massagem), junto ainda ao conhecimento das ervas orientais. 


Não consegui visitar o imponente Grand Palace, mas tive a sorte de observar um evento muito mais interessante. O país vivia um luto de um ano, em outubro de 2016 o rei Rama IX faleceu aos 88 anos. Considerado um pai pelos tailandeses, ele foi o governante mais longínquo da história, foram 70 anos de reinado. Pelas ruas pessoas de preto, altares com homenagens em todos os lugares e a sensação de estar em um velório infinito. Difícil entender essa fé em um governante quando vivemos uma crise ideológica no Brasil. Por aqui Estado e sagrado se misturam e a fé das pessoas foi algo fantástico de se assistir, se assemelhava ao luto da perda de um familiar. Milhares de pessoas vieram de fora de Bangkok e acamparam por dias nas ruas da capital para assistir um funeral que durou cinco dias, custou certa de 90 milhões de dólares, com uma grandiosa cerimônia de cremação com mais de três horas de duração.

Como tudo é imenso, a cidade ofere um complexo de shoppings gigantesco, todas as grandes marcas estão aqui e reunidas em prédios magnânimos. Quando você acha que nada mais vai te impressionar conhece a maluquice da Khaosan Road, rua queridinha dos mochileiros, mas que pra mim perde pra Lapa em sexta-feira lotada. E passa pelo “red light distrit” daqui, a abordagem é direta e efusiva, assim como a concorrência, uma boate do lado da outra, mas organizado, as moças usam até crachá de identificação. Bastante óbvio que o turismo sexual é amplo em Bangkok. Ainda deu tempo de passear por um incrível e barato Night Market e escutar “Gustavo Lima e você” no meio da feira. Valeu Brasil! 

Definitivamente a capital tailandesa foi a cidade mais desafiadora que conheci, em sua complexidade, em uma história muito recente, porém com uma sequência de reviravoltas. A metrópole mistura moderno e antigo, bairros nobres e extensa pobreza, organização e absoluto caos. Visitar a cidade foi ir muito além da historiografia dos bancos da faculdade. Obrigada Bangkok! 


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